Título: Incidente se torna 'guerra de mídia'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2007, Internacional, p. A26

Um canal de TV do Irã exibiu ontem um vídeo no qual um dos 15 marinheiros britânicos capturados na sexta-feira se desculpa por ter entrado em águas iranianas. O Irã divulgou também uma terceira carta atribuída a Faye Turney - a única mulher entre os marinheiros e marines (fuzileiros navais) capturados - na qual diz que foi sacrificada para beneficiar as políticas dos governos britânico e americano.

Na carta, endereçada ao povo britânico, ela repetiu o pedido para que as forças de seu país saiam do Iraque. 'Estou escrevendo como uma militar britânica que foi enviada ao Iraque, sacrificada para apoiar as políticas intervencionistas dos governos de Bush e Blair. Creio que para que nossos países avancem, temos de retirar nossas forças do Iraque e deixar que o povo iraquiano refaça sua vida', disse Faye na carta.

Ela acrescentou que está sendo tratada de forma humana, em contraste com as pessoas que estão sendo mantidas na prisão de Abu Ghraib no Iraque, local de um escândalo de abusos de prisioneiros em 2004. 'Já é hora de pedirmos ao nosso governo que mude seu comportamento opressivo com relação a outras pessoas', acrescentou a carta, enviada por e-mail pela Embaixada do Irã em Londres a agências de notícias.

No vídeo divulgado ontem pelo canal de TV Al-Alam, o marinheiro britânico, identificado como Nathan Thomas Summers, declara: 'Entramos em águas iranianas sem autorização.' Summers, que pediu desculpas pela invasão, aparece ao lado de outro marinheiro e de Faye diante de uma cortina florida. Os dois homens usam uniformes com a inscrição 'Marinha Real' nas costas.

O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, disse que a exibição de 3 dos 15 britânicos capturados só aumenta a indignação das pessoas pelo tratamento dado aos marinheiros e marines e ameaçava isolar Teerã ainda mais. Mas Blair pediu calma e paciência com relação à crise. A União Européia pediu ontem ao Irã a libertação imediata e incondicional dos 15 britânicos e advertiu que imporá 'medidas apropriadas' se Teerã não atender ao pedido.

O presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, exigiu um pedido de desculpas da Grã-Bretanha por causa da invasão territorial, informou ontem a agência iraniana Fars. A declaração foi feita durante conversa telefônica com o primeiro-ministro turco, Tayyip Erdogan, que busca obter a breve libertação da marinheira e o acesso de diplomatas turcos aos outros capturados.

Os britânicos, membros de uma força que a ONU encarregou do patrulhamento do Golfo Pérsico, foram capturados na sexta-feira perto da costa iraquiana enquanto inspecionavam navios mercantes em busca de evidências de contrabando. Londres insiste que os militares foram capturados em águas iraquianas.

Em meio à guerra de propaganda do Irã, questiona-se se as três cartas foram mesmo escritas por Faye. Primeiro ela escreveu uma carta para 'à mamãe e ao papai', depois uma para o Parlamento e, finalmente, um apelo ao 'povo britânico'. Especialistas sugerem que as palavras foram ditadas a Faye, de 26 anos. Acadêmicos que viram as cartas apontaram para modos de expressão estranhos, enquanto outros analistas perceberam um estilo inspirado pela retórica política.

'Eu apostaria minha casa no fato de que, basicamente, a língua de quem escreveu isso é o farsi (idioma falado no Irã)', afirmou Clive D. Holes, professor do Instituto Oriental da Universidade de Oxford.

As cartas, todas escritas à mão com a mesma letra arredondada, pedem desculpas pela invasão das águas iranianas. Mas a cada nova carta, o texto é mais afetado. Holes apontou vários indícios de texto traduzido.

A polêmica prisão iraquiana de Abu Ghraib, por exemplo, aparece como 'Abo Ghrayb'. Embora essa grafia seja incomum na mídia ocidental, alguém traduzindo de caracteres persas para caracteres ocidentais provavelmente faria dessa maneira, disse. Ele também questionou o trecho onde os captores dos britânicos são descritos como 'atenciosos, compassivos, hospitaleiros e amigáveis'.