Título: Entre os palestinos, nem todos pensam em retornar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2007, Internacional, p. A28
Durante quase 60 anos, Nimr Abu Ghneim esperou irado, mas paciente, pelo dia em que retornaria ao lar que deixou em 1948. Morador de um extenso campo de refugiados palestinos na Jordânia, Ghneim, como a maioria dos árabes, diz que não pode haver paz com Israel enquanto ele e 700 mil outros palestinos não tiverem permissão para voltar aos lares que abandonaram na guerra de 1948, com a criação do Estado de Israel.
Mas há uma outra atitude ainda que mais discreta sendo manifestada, especialmente por palestinos mais jovens e mais ricos: talvez não seja nem possível nem desejável voltar.
'Quando as pessoas pensam, 'possivelmente voltaremos', no fundo de seu coração elas agora sabem que não vão voltar', diz Hanin Abu Rub, de 33 anos, administrador de conteúdo da internet na empresa jordaniana Shoofeetv. O debate voltou a esquentar recentemente com os planos de reviver a chamada proposta de paz árabe, na reunião anual da Liga Árabe, que terminou quinta-feira, em Riad.
A iniciativa, liderada pela Arábia Saudita, oferece pleno reconhecimento de Israel e a paz permanente com os Estados árabes em troca da retirada de Israel para as linhas de 1967, o estabelecimento de um Estado palestino independente - com Jerusalém Oriental como sua capital -, e uma 'solução justa para o problema dos refugiados palestinos a ser acertada de acordo com a Resolução 194 do Assembléia-Geral da ONU' de 1948.
A Resolução 194 diz: 'Os refugiados que desejarem retornar a seus lares e viver em paz com seus vizinhos devem ter permissão de fazê-lo na data mais próxima praticável', e dispõe que eles sejam compensados se escolherem não retornar.
O primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, e a ministra das Relações Exteriores Tzipi Livni falaram de elementos 'positivos' na iniciativa saudita, mas rejeitam a proposta sobre os refugiados.
Israel diz que os palestinos deveriam ter o direito de voltar a um futuro Estado palestino, e não a seus lares originais, especialmente considerando que seu número explodiu desde que 711 mil pessoas originalmente fugiram em 1948. A Agência da ONU de Ajuda e Obras para Refugiados Palestinos diz ter 4,3 milhões de refugiados palestinos registrados.
'A questão dos refugiados é o grande problema da região', disse Talat Abu Othman, presidente do ramo jordaniano do Comitê para a Proteção do Direito de Retorno, uma organização palestina independente. 'O restante - Jerusalém, os assentamentos e a Autoridade Palestina - são detalhes. Não se trata de obter algumas polegadas aqui ou ali, trata-se da volta em si. E mesmo com o nosso retorno, estaríamos nos afastando de alguns de nossos direitos.'
Para refugiados em campos na Jordânia, Síria, Líbano e nos territórios ocupados, o direito de retorno é tanto um símbolo de seus sofrimentos como uma consideração financeira.
'Os israelenses apostavam que os idosos morreriam e os jovens esqueceriam', disse o refugiado Ghneim. 'Mas não esquecemos. Nosso direito de retornar a nossos lares e terras jamais poderá ser substituído, nem por dinheiro nem por qualquer outra coisa.'
Ele receia, contudo, que os Estados árabes cederão às exigências israelenses de abandonar totalmente a questão dos refugiados.
A maioria dos palestinos que fugiu para a Jordânia recebeu cidadania local e hoje representa bem mais da metade da população do país. Os palestinos que foram para outros países, porém, sobreviveram com poucos direitos e nenhuma cidadania.
Alguns palestinos na Jordânia agora propõem uma posição mais negociável que busca o reconhecimento dos israelenses, mas também oferece termos para uma reparação.
'Esse é um direito meu, que eu herdei de meus pais e avós', disse Maha Bseis, de 39 anos, um palestino cuja família veio de Jerusalém. 'Mas embora tenha o direito, eu não voltarei porque nasci e cresci aqui.'
Em 2003, um estudo do Centro Palestino para Política e Pesquisa, da Cisjordânia, um dos mais abrangentes realizados sobre o tema, revela que a maioria dos palestinos provavelmente não se mudaria, mesmo se recebesse o direito de voltar.
Para Abdallah Zalatimo, de 41 anos, a decisão sobre se ele retornará já foi tomada há muito tempo. Nascido nos EUA quando seu pai, um médico de de Jerusalém, fazia sua especialização, Zalatimo voltou a Amã em 1976. No fim dos anos 80, ele abriu uma empresa de fabricação de doces árabes que cresceu e hoje inclui lojas em vários países árabes com muitos milhões de dólares de receita.
'Acho que a causa palestina hoje diz respeito a ajudar os palestinos nos territórios ocupados a viverem uma vida melhor', disse Zalatimo. 'Para mim a questão mais premente é resolver os problemas dos palestinos que estão vivendo lá.'