Título: Ancoragem invertida
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2007, Economia, p. B2

Pelo menos em uma questão-chave não há boa sintonia entre Banco Central e formadores de preços.

O Banco Central trabalha com o pressuposto de que, neste ano, os preços administrados deverão aumentar 4,5%. O mercado prevê uma evolução bem mais baixa, de 3,7%, como nos dá conta a pesquisa Focus, conduzida pelo Banco Central com 100 empresas e consultorias.

Esta não é uma divergência desimportante. Vamos aos conceitos e aos pressupostos.

Preço administrado é aquele que não evolui pela aplicação pura e simples da lei da oferta e da procura. Varia de acordo com o que está nos regulamentos e nos contratos. É o caso dos preços da condução, da energia elétrica, dos serviços de telefonia, dos combustíveis e dos aluguéis. Não importa em quanto o Banco Central corte ou aumente os juros, a evolução desses preços segue regras previamente acordadas.

No Brasil, os preços administrados têm uma alta participação no custo de vida: 31%. Por isso, para prever a inflação e os juros é importante levar em conta o que deve ocorrer nesse segmento. Um avanço muito mais baixo dos preços administrados deve produzir uma inflação mais baixa e, conseqüentemente, pedir juros também mais baixos. E juros mais altos ou mais baixos estão sempre no centro das discussões sobre política econômica.

É parte essencial da política de juros a coordenação das expectativas dos formadores de preços pelo Banco Central. Quanto maior a sintonia, mais eficiente é a política de juros. Se o comerciante remarca seus preços acima do que acontecerá no mercado, corre o risco de ser punido com encalhe de mercadoria.

Essa divergência é relevante porque o Banco Central parece trabalhar com inflação (e juros) mais alta do que aquela com que vem trabalhando o mercado.

Quarta-feira, quando da divulgação do Relatório da Inflação, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Mário Mesquita, disse que a diferença está nas metodologias empregadas. Mas a explicação não altera nem as previsões nem suas conseqüências.

No Banco Central, algo mais vem sendo admitido. Primeiro, que nem sempre o mercado faz projeções melhores do que o Banco Central, assim como nem sempre o Banco Central faz projeções melhores do que o mercado. Quem for além da aparente obviedade pode trabalhar com a hipótese de que o Banco Central também é capaz de corrigir seus indicadores, se for o caso.

Segundo, que é natural que o Banco Central mantenha suas projeções iniciais até que fatos novos justifiquem alterações. No ano passado, por exemplo, só em agosto foram rebaixadas as previsões sobre o comportamento dos preços administrados.

E, terceiro, que a cada reunião do Copom as divergências são reavaliadas e nada impede que o Banco Central reveja suas projeções mais cedo neste ano.

Qualquer conclusão sobre o desfecho dessa divergência é precipitada. Mas não é descabido apostar em que o Banco Central se prepara para refazer para baixo essas projeções.

Se isso se confirmar, pelo menos desta vez, pode ser o mercado que estará ancorando as expectativas do Banco Central.