Título: Entre o imposto e o sonho
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2007, Notas e Informações, p. A3
Por enquanto vale a seguinte combinação: enquanto o governo desperdiça dinheiro e gasta muito mais do que deveria, o contribuinte suporta uma carga tributária perversa e muito maior que a das outras economias emergentes. Enquanto isso perdurar, muita gente ficará sem oportunidades de emprego e o País crescerá muito menos do que poderia. Quando isso vai terminar ninguém sabe. Se um dia o governo criar juízo, e um sistema tributário moderno, mais leve e muito mais funcional, entrar em vigor, ficará mais fácil empregar pessoas e produzir riquezas. Milhões de brasileiros terão uma vida mais decente. Mas, enquanto esse dia não chega, o governo se dispõe a negociar, de imediato, as providências para manter em vigor a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a Desvinculação das Receitas da União (DRU). Com isso, garante uma receita de mais de R$ 30 bilhões por ano e mantém alguma liberdade para usar o dinheiro do Tesouro. Tudo isso é para já. A reforma tributária, de novo em discussão, será para quando os fados quiserem.
A CPMF deixará de vigorar, mais uma vez, no fim deste ano, e por isso, mais uma vez, o governo terá de conseguir sua prorrogação. Que seja preciso mantê-la em vigor ninguém contesta. O gasto público não parou de crescer nos últimos 15 anos e não se poderá eliminar o problema em poucos meses. É a chamada situação de fato, lamentável e irremediável a curto prazo. Mas o governo poderia, pelo menos, programar uma redução gradual da alíquota, para tornar a contribuição menos onerosa, pouco a pouco, nos próximos anos. Em vez disso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, resolveu oferecer ao contribuinte, como consolação, um corte progressivo da CPMF cobrada nos financiamentos. Não há como levar a sério essa oferta. É uma insignificância. Os produtores brasileiros continuarão sendo pesadamente prejudicados pela cobrança em cascata desse tributo, tanto mais onerosa quanto mais longa a cadeia de produção de cada mercadoria. Uma pequena alteração, localizada neste ou noutro ponto, pouco afetará a carga suportada pelas pessoas e pelas empresas.
A prorrogação da DRU é até defensável, já que as vinculações, de modo geral, engessam os orçamentos e aumentam a irracionalidade da administração pública. O mais sensato seria eliminar de uma vez por todas essa distorção, mas o assunto é politicamente complicado. Sem disposição para fazer o necessário, o governo prefere recorrer à mera prorrogação. Para atrair a simpatia dos governadores, lançou a idéia de estender a desvinculação aos orçamentos estaduais. Se a cooptação der certo, a tramitação da emenda ficará mais fácil e nada será resolvido de forma definitiva.
Dado o histórico do atual governo, é difícil levar a sério sua intenção de promover, finalmente, uma reforma tributária digna desse nome. O projeto ainda em tramitação no Congresso é muito insatisfatório - para não dizer muito ruim. Há poucos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a disposição de esquecer esse projeto: já não interessa ao governo. Tudo bem, mas é preciso complementar essa atitude com uma proposta, desta vez para valer, de uma boa reforma.
Essa proposta já foi esboçada e suas linhas básicas foram apresentadas, na quinta-feira, pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. O desenho geral é atraente. Inclui a transformação de todos os tributos indiretos sobre bens e serviços - PIS, Cofins, IPI, Cide e ICMS - em dois impostos sobre valor agregado, um estadual, outro federal. Melhor solução seria um único tributo desse tipo, arrecadado pelo governo central, mas isso seria politicamente bem mais difícil.
A idéia, se aceita, permitiria simplificar a tributação e torná-la mais funcional. A reforma deve incluir a desoneração completa das exportações e dos investimentos e eliminar a guerra fiscal entre Estados.
Mas será necessária uma complexa negociação com os governadores. Isso o presidente Lula nunca enfrentou. O secretário de Política Econômica não poderá cumprir essa tarefa sem um apoio muito firme de seu chefe imediato, o ministro, e do presidente da República. Se houver esse apoio, será uma novidade no currículo de ambos, acostumados a seguir o caminho mais fácil para o governo e mais oneroso para o País.