Título: Agência da reeleição não terá conta do governo, diz Franklin
Autor: Domingos, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2007, Nacional, p. A10

Desde que assumiu a Secretaria de Comunicação Social, no fim de março, o jornalista Franklin Martins tem dado expediente diário, das 8h30 às 22h30. Considera indispensável a jornada noite adentro para tocar as tarefas que o presidente Lula lhe deu. Entre outras, cuidar da publicidade do governo, tocar o polêmico projeto de criação da rede pública de TV e melhorar as relações do governo com a mídia.

Para evitar desgastes como o de 2005, em que a área de publicidade do governo se viu envolvida no escândalo do mensalão, Franklin tomou uma atitude radical. Enquanto for ministro, a agência que fez a campanha da reeleição de Lula não terá contas no governo. Ele terá R$ 140 milhões para fazer publicidade institucional este ano.

Franklin defende a rede pública de TV e é contra que ela tenha qualquer tipo de publicidade, seja comercial ou governamental. Ele fala ainda de seu passado político e da participação no seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, em 1969, trocado por presos políticos, entre eles o ex-ministro José Dirceu.

Como fará para garantir que o setor de publicidade não seja de novo envolvido em fatos como o escândalo do mensalão, em 2005?

Acho que a publicidade tem de ser totalmente transparente. Defendo que agências que participaram da campanha de um candidato que tenha vencido a eleição não tenham conta do governo federal. Asseguro que do governo a vencedora não terá nenhuma conta. O próprio marqueteiro que fez a campanha da reeleição, João Santana, acha que não deve participar. Acho que esse critério deveria ser adotado por todos os Estados. Uma forma de aparelhar o Estado é usar uma agência para fazer sua campanha e depois lhe passar contas do governo. Isso tem que acabar.

Isso inclui as empresas estatais?

Elas também deveriam seguir o critério de não entregar contas de publicidade às agências do vencedor. Mas aí o governo pode apenas supervisionar.

E como será a distribuição da publicidade estatal na mídia?

A orientação é que o critério seja técnico. Isso quer dizer que jornais terão participação compatível com sua circulação e TVs, com sua audiência. Não cabe ao governo regar ou plantar jornais favoráveis nem criar problema para ninguém. Vai olhar para o objetivo que quer atingir e decidirá onde vai concentrar a divulgação.

Como vê a crítica de que a comunicação do governo é deficiente?

Todos tivemos deficiência de comunicação nos últimos tempos. Passamos por uma crise política brutal, momentos de absoluta selvageria. O governo reagiu à crise - no mandato anterior - se colocando em posição defensiva. E boa parte dos órgãos de imprensa partiu para uma posição muito agressiva. Falavam, escreviam o que queriam, o que é próprio da democracia, da liberdade de imprensa, mas muitas vezes não correspondia a fatos. Todos foram julgados pela sociedade. Isso é inevitável. Todos somos julgados. A lição que o governo tirou é de que deve ter relação mais profissional e mais tranqüila com a imprensa. Acho que a imprensa está tirando também lições. Procura ter postura menos agressiva, voltando àquele velho e bom jornalismo, de se apoiar nos fatos e não em opiniões ou preconceitos. E está fazendo isso porque a sociedade está pedindo.

Por isso o presidente está falando mais com a imprensa?

Por isso. Neste ano o presidente Lula já deu mais de 30 entrevistas coletivas. Não é só aquela com a bandeira do Brasil ao fundo. O presidente está com relações mais fluidas, mais tranqüilas com os jornalistas. Não sou eu quem digo, são os setoristas do Planalto.

O senhor é filiado ao PT?

Não. A nenhum partido.

Por que Lula o chamou para cuidar da comunicação do governo?

Tem que perguntar para ele. Mas acho que ele me chamou porque queria uma relação mais tranqüila com a imprensa e achou que um profissional como eu poderia ajudar nisso.

O senhor está envolvido no projeto de criação da rede de TV pública.

O que se quer é implantar uma rede nacional de TV pública. É diferente da comercial, que produz conteúdo para atrair audiência e vender publicidade. E é diferente da estatal, em que a programação é basicamente de comunicação de governo. A lógica da TV pública é fazer programação de qualidade, com controle social e público. É uma TV pública, não de governo, é plural, não partidária, aberta à diversidade. A programação é de caráter cultural, educativo, com jornalismo isento. Procura abrigar as diferenças culturais e regionais do País. É aberta à produção independente. A idéia do governo é, partindo das estruturas de que dispõe - Radiobrás e TVs Educativas do Rio e do Maranhão -, constituir a espinha dorsal dessa rede.

Não há risco de que emissoras possam ser usadas politicamente por governantes ou partidos?

Pode-se construir um modelo em que só participarão da rede as que evoluam para um modelo de gestão pública. Se for um modelo em que o palácio do governador manda na emissora, na cobertura, e não tem nenhum tipo de controle público, não fará parte dessa rede.

Se o governo pagar, poderá fazer propaganda institucional?

Em princípio não terá comercial, porque a idéia é não ter nada. Do meu ponto de vista, não dá para ter uma TV que em parte é comercial, em parte pública, em parte estatal.

O sr. foi importante adversário da ditadura. Pegou em armas, participou do seqüestro do embaixador Elbrick. Ao tomar posse, o sr. disse que lutou pela democracia...

Acho que todo mundo que lutou contra ditadura no Brasil estava do mesmo lado. Alguns queriam ir além do fim da ditadura; outros achavam que bastava o fim da ditadura; outros que bastava dar uma melhoradinha na ditadura. Tenho muito orgulho de minha militância. Eu lutei contra a ditadura e pelo socialismo. Não penso mais o que eu pensava antes. Mas, na questão central naquele momento, que era acabar com a ditadura militar, não tenho grandes autocríticas. Eu lutei por uma coisa que para mim era fundamental, a democracia. Acho que hoje sou mais democrático do que na época. Tenho uma visão de democracia mais completa. Mas ao mesmo tempo continuo lutando por inclusão social. Acho que é impossível você ter democracia estável num país com a injustiça social que existe no Brasil. E acho que uma das grandes conquistas é que o Brasil botou a inclusão social na sua agenda e não sai mais. Nós temos uma agenda comum, de todas as correntes políticas, que é uma das maiores conquistas da democracia, algo que construímos quase sem perceber. E que poderíamos ter perdido na recente crise sem perceber que a tínhamos construído.

Qual?

Em primeiro lugar, a democracia: queremos resolver nossos problemas pela via democrática. Quem ganhou eleição leva, quem tem menos voto vai para a oposição, os direitos da minoria devem ser respeitados, os direitos e garantias individuais devem ser respeitados. Segundo: devemos ter moeda, porque aquela fórmula mágica de driblar a inflação se revelou um desastre para o País. Terceiro: queremos ter responsabilidade fiscal. Quarto: queremos voltar a crescer. E, quinto, não basta só crescer. É preciso distribuir renda, diminuir desigualdade. Esses pontos hoje são aceitos por 70%, 80% das forças políticas. Eles têm espaços para as divergências, mas balizam a luta política. Se nós mantivermos isso aí, a luta política será muito mais eficiente do que a maluquice de cada um disparando para um lado, desqualificando o outro.

Depois do seqüestro de Elbrick, o sr. foi marcado para morrer. Entre o episódio e a anistia passaram 10 anos. Como conseguiu escapar?

Tive sorte. Fui preso em 1968, no congresso da UNE, antes do AI-5, num momento em que a tortura e a execução dos opositores não tinham virado ainda prática corrente do Estado. Saí da prisão um dia antes do AI-5, fui libertado por habeas-corpus. Depois disso, fiquei metade na clandestinidade no Brasil e metade no exílio. Por que sobrevivi? Um pouco por sorte, um pouco porque tive disciplina pessoal para aceitar certos sacrifícios e cuidar de minha segurança com muito afinco. Mas, no fundamental, acho que tive muita sorte.

Pelo que se sabe, o sr. não pode entrar nos Estados Unidos por causa do seqüestro do embaixador. Se o presidente o chamar para uma viagem para lá, como vai fazer?

Acho que o Itamaraty pediria o visto.

E se for negado?

Costumo brincar com isso dizendo que tanto eu quanto os Estados Unidos sobreviveremos a esse detalhe.

Quem é: Franklin Martins

É jornalista e foi comentarista político da TV e da Rádio Bandeirantes e da TV Globo

Militante político durante a ditadura, participou em 69 do seqüestro do embaixador Charles Burke Elbrick, trocado por presos políticos, entre eles o ex-ministro José Dirceu.