Título: Menos de um terço das 181 mil leis brasileiras estão de fato em vigor
Autor: Filho, Expedito
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2007, Nacional, p. A12

Berço esplêndido da impunidade, o Brasil é também um país de muitas leis. O ordenamento jurídico brasileiro tem um total de 181.318 normas legais, segundo levantamento da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República. O impressionante é que, desse universo, 53 mil leis estão realmente em vigor. Há um pouco de tudo: leis que colidem até com a própria Constituição, outras que já foram revogadas, algumas que o tempo tornou obsoletas e tantas outras que servem apenas para confundir.

O pior desse cenário é que elas não param de ser produzidas. Diante da pressão do eleitorado por serviço, deputados e senadores estão sempre redigindo mais leis, muitas vezes sem a menor necessidade. Só na última legislatura foram aprovadas 14 emendas constitucionais, 8 leis complementares, 762 leis ordinárias e 3.687 decretos legislativos. 'Se cada deputado aprovar duas leis por ano, teremos um movimento de mais de mil leis', observa o deputado Cândido Vacarezza (PT-SP).

O parlamentar comanda na Câmara, a pedido do presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), uma frente para transformar essa confusão jurídica em ordenamento. A Comissão de Consolidação das Leis, como é chamado o grupo de deputados, está recolhendo dados no governo e nos tribunais superiores para consubstanciar as leis vigentes.

A idéia é eliminar as normas que contradizem a Constituição e as que já foram alvo de ação direta de inconstitucionalidade. Também serão suprimidas as leis que, com o tempo, ficaram naturalmente ultrapassadas. Depois de consolidado, o projeto de extinção de leis será encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Após aprovação pelo plenário da Câmara, caberá ao Senado examinar as mudanças feitas.

'A conclusão desse trabalho é necessária para o fortalecimento da democracia, uma contribuição ao desenvolvimento do País e à estabilidade da ordem jurídica. É também uma forma de promover a defesa dos interesses do cidadão', afirma Vacarezza.

Exageros à parte, talvez a faxina contribua apenas para eliminar leis que já perderam sua utilidade - isso na hipótese de terem sido úteis um dia. Datada dos tempos de guerra fria, ainda está valendo, por exemplo, a lei que regula os casamentos de diplomatas com mulheres estrangeiras. Mais do que o padre ou o juiz, o casamento dependia de autorização expressa do ministro das Relações Exteriores. Em um mundo globalizado sem fronteiras, em que até uniões do mesmo sexo são discutidas abertamente, a lei que regula o casamento de diplomatas com mulheres estrangeiras é tão atual quanto o relógio de corda.

Há ainda a lei do ano de 1921 que regula a entrada de estrangeiros no território nacional. Por ela, estão impedidos de entrar no País 'todo estrangeiro, mutilado, aleijado, cego, louco, mendigo, portador de moléstia ou de moléstia contagiosa grave'.

Na economia, também há leis vencidas pelo tempo. Em tempos de estabilidade continua valendo a velha indexação do período da hiperinflação. 'O valor monetário dos salários será corrigido semestralmente de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)', diz a lei de 1984. Outro caso é a Lei 6.633, de 1979, geradora de esdrúxula reserva de mercado: 'Veda a exibição de cartaz cinematográfico que não seja criado, produzido e impresso por brasileiro.'

À frente de seu projeto , Vacarezza já esteve com o presidente interino do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e com outros ministros de tribunais superiores. Juristas também têm contribuído para apontar distorções. Um deles chegou a enviar um e-mail à comissão com o alerta de que, embora alguns artigos do Código de Processo Penal (de números 26 e 531) tenham sido considerados inconstitucionais, a Lei de Falências insiste na sua aplicação.

Outro exemplo é o da Lei 9.963/98, que trata dos crimes previdenciários. Durante sua votação foi apresentada emenda para anistiar os agentes políticos acusados desse crime. Algum parlamentar, percebendo a brecha, sugeriu subemenda propondo a extensão do benefício a empresários. Embora tenha sido rejeitada, o Diário Oficial de 26 de maio saiu com um parágrafo único que incluía a subemenda dos empresários. A retificação só foi feita no dia seguinte.

O problema é que pelo direito brasileiro a simples retificação é considerada lei nova. Mesmo tendo vigorado por um dia, houve pedidos e decisões judiciais com base no dispositivo. A questão acabou no STF, que decidiu que a subemenda nunca existiu. 'Até essa decisão, aquele dispositivo já tinha gerado efeitos, e muitos empresários já tinham se beneficiado com a publicação equivocada, já que não era mais possível desfazer aquela anistia', relata Vacarezza.

Números:

181.318 é o total de normas legais do País, segundo levantamento da Casa Civil da Presidência

53.000 leis estão realmente em vigor

3.687 decretos 762 leis ordinárias,14 emendas e 8 leis complementares foram aprovadas só na última legislatura.