Título: País queria ser neutro e lucrar na 2ª Guerra
Autor: Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2007, Nacional, p. A14

Arquivos secretos do governo do presidente Getúlio Vargas comprovam que o Brasil tinha a intenção de se manter totalmente neutro na Segunda Guerra Mundial e até de continuar negociando comercialmente com os dois lados envolvidos no conflito, incluindo os países do chamado Eixo (Alemanha, Itália e Japão).

Documento do Conselho de Segurança Nacional, feito no dia 6 de setembro de 1939, apenas cinco dias depois da invasão da Polônia pela Alemanha, lista as diretrizes gerais enviadas a todos os ministérios e indica que o Brasil até esperava aumentar sua produção para atender e exportar mais para os países envolvidos nos combates.

O texto deixa clara a intenção do governo brasileiro de manter abertas suas relações comerciais com as forças que acabaria tendo que enfrentar durante a guerra. A única restrição seria apenas a venda de armas, vetada para qualquer participante do conflito.

'O Brasil manter-se-á estritamente neutro, pautando as suas atitudes pelas normas estatuídas no decreto que definir essa neutralidade. Reservar-se-á, entretanto, o direito de negociar livremente em seus portos com qualquer dos países das duas correntes antagônicas o excedente de sua produção e as matérias-primas de que é possuidor, excetuado apenas o tráfico de material bélico, cuja exportação será vedada', descreve o documento inédito, ao qual o Estado teve acesso, e que faz parte do acervo do Conselho de Segurança Nacional, guardado no Arquivo Nacional, em Brasília.

Com isso, o governo Vargas vislumbrava a possibilidade de se tornar grande fornecedor de matérias-primas necessárias aos países que participavam do confronto armado. O Brasil já produzia borracha e ferro em grande quantidade, justamente dois materiais valiosos para venda num período de guerra.

No documento do Conselho de Segurança, o governo brasileiro não esconde a perspectiva de que a guerra poderia abrir um rentável canal de negócios. O texto informa que o Brasil 'fomentará, por todos os meios, a ampliação da capacidade produtiva e o desenvolvimento do potencial econômico do País, em estreito entendimento com os seus organismos industriais, agrícolas, comerciais, técnicos, científicos etc'.

Com isso, o governo tinha 'em mira objetivadamente', como descreve o documento, 'suprir as faltas e deficiências sobrevindas com a inevitável queda das importações' e 'atender às possibilidades de maiores e mais intensas exportações'.

Nas diretrizes para a 'política econômica', a instrução dada ao Ministério da Agricultura é objetiva nesse sentido. 'Promover e estimular a intensificação, em larga escala, da produção agrícola, pastoril e mineral, não só visando atender com regularidade às necessidades internas, mas também suprir, em parte, as deficiências e falhas dos países assolados pela guerra, que, forçosamente, terão de fazer grandes encomendas aos mercados brasileiros'.

Outro item dentro das diretrizes espicha o olho do Brasil em direção aos negócios com outros países, especialmente os Estados Unidos. O documento defende que o governo faça 'propaganda das nossas fontes de trabalho e de riquezas a fim de atrair para o País os capitais acumulados, ultimamente, nos Estados Unidos à espera de emprego seguro'.

A decisão em torno da neutralidade, porém, acabou tendo que ser revista, a partir do momento em que os EUA entraram na guerra, após terem sido atacados pelos japoneses em Pearl Harbour, em dezembro de 1941. Com isso, o Brasil decidiu romper relações com os países do Eixo e caminhou irreversivelmente para o conflito depois que seus navios passaram a ser afundados por submarinos alemães. O passo final foi dado em 1944, quando tropas brasileiras passaram a combater em solo italiano contra soldados do Eixo.

A neutralidade brasileira, entretanto, abriu espaço para que integrantes do governo demonstrassem até simpatia para com os países do Eixo, que, no início da Segunda Guerra, levaram vantagem nos combates. O próprio Getúlio Vargas manteve um comportamento político dúbio até decidir que o Brasil faria parte das tropas aliadas.

Mesmo com o comportamento ambíguo, em 1939 o Brasil já estava atento aos movimentos feitos pelos EUA em relação à Segunda Guerra. Até mesmo os passos da Argentina seriam observados pelo governo brasileiro, que previa que o conflito deflagrado em continente europeu poderia acabar envolvendo países das Américas.

Nas diretrizes, o Conselho de Segurança propõe 'auscultar, por constantes sondagens, as opiniões e as tendências das nações americanas, especialmente dos Estados Unidos e da Argentina'. Propõe ainda 'examinar atentamente as probabilidades e conseqüências da entrada dos Estados Unidos na luta, isoladamente ou com a adesão de um ou mais países da América do Sul'.