Título: Correa mantém posição férrea de 'não pactuar com a direita'
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2007, Internacional, p. A18

O segredo do sucesso de Rafael Correa, nesse início de mandato, pode efetivamente estar contido na fórmula do sociólogo Milton Benítez, da Pontifícia Universidade Católica do Equador (PUCE), um intelectual assumidamente de esquerda: 'É o único governo na nossa história recente que não pactua com a direta.' Depois que três presidentes eleitos pelo voto democrático foram derrubados por levantes populares e indígenas em menos de dez anos, 'não pactuar com a direita' pode ter se tornado no Equador, mais do que posição ideológica, uma precondição de sobrevivência no poder.

As cenas de multidões paulatinamente fechando o cerco ao Palácio de Carondolet, no centro histórico de Quito, estão bem vivas na lembrança de qualquer equatoriano. Particularmente para políticos como Correa, é difícil esquecer a fuga em helicóptero do coronel reformado Lucio Gutiérrez, o último presidente a ser escorraçado do Carondolet, em 2005.

Gutiérrez tornou-se presidente em aliança com o Pachakutik, o braço político da poderosa Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). O movimento indígena teve participação decisiva nos levantes populares que derrubaram os presidentes Abdalá Bucaram, em 1997, e Jamil Mahuad, em 2000. No caso de Gutiérrez, eleito em 2002 e empossado em janeiro de 2003, a deposição teve uma participação bem maior da classe média urbana, escandalizada com as denúncias de nepotismo e corrupção. Mas foi crucial também para sua queda a retirada do apoio indígena e da esquerda, quando Gutiérrez deu uma guinada ideológica de 180 graus, aproximando-se dos EUA e da direita.

Correa, um economista bem articulado de 44 anos, com pós-graduações na Bélgica e nos EUA, surgiu com força no cenário político entre abril e agosto de 2005, como ministro de Economia e Finanças do presidente Alfredo Palácio, que assumiu o posto de Gutiérrez.

Neste curto espaço de tempo, Correa, com uma combinação característica de impetuosidade e argúcia, conseguiu se investir no papel de campeão do combate ao neoliberalismo no Equador. Entre as sua bandeiras, estavam priorizar investimentos sociais ao pagamento da dívida externa, a oposição ao tratado de livre-comércio com os Estados Unidos, a contestação das políticas recomendadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial, o aumento da participação do Estado nas receitas do petróleo e as críticas à dolarização do país, instituída em 2000 para fazer frente a uma gravíssima crise financeira e cambial.

Depois da campanha eleitoral vitoriosa, em que bateu de virada o vencedor do primeiro turno, o direitista Álvaro Noboa, o homem mais rico do Equador, Correa não deixou a chama esquerdista esmorecer. Abandonou algumas bandeiras mais inviáveis, como o fim da dolarização, e tenha cumprido o cronograma de pagamentos da dívida externa, mas não está decepcionando o seu eleitorado de esquerda. Entre as medidas de mais populares, duplicou o valor do programa de transferência de renda criado por Gutiérrez, subsidia empréstimos e compra de fertilizantes para a agricultura popular e aperta a fiscalização tributária sobre os grandes grupos econômicos.

ELEIÇÕES E DESTITUIÇÕES

1997: Fabián Alarcón vira presidente após Abdala Bucaram ser deposto por incapacidade mental

2000: O vice Gustavo Noboa torna-se presidente após Jamil Mahuad,eleito em 1998, ser forçado a deixar o cargo pelo Exército e por protestos indígenas

Abril de 2005: Congresso aprova a deposição do presidente Lucio Gutiérrez, eleito em 2002, após uma onda de protestos

Novembro de 2006: Rafael Correa é eleito presidente

Março de 2007: 57 deputados são destituídos pelo Tribunal Eleitoral.