Título: Equador decide se terá nova Carta
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2007, Internacional, p. A18
Os 9,2 milhões de eleitores equatorianos decidem hoje se o país vai ou não embarcar na tarefa de elaborar a sua 20ª Constituição desde a independência, em 1830. Os objetivos do presidente Rafael Correa são os mais ambiciosos possíveis: ele quer reconstruir, a partir do zero, toda a estrutura institucional, política e econômica do Equador.
Se, como se espera, o 'sim' for vitorioso na consulta popular sobre a formação de mais uma Assembléia Constituinte (a última Constituição é de 1998), o esquerdista Correa terá sua maior vitória política desde que assumiu o governo em 15 de janeiro. As pesquisas indicam que 66% dos votos devem ir para o 'sim', e cerca de 20% para o 'não'. O presidente, no entanto, teme que a soma dos votos nulos e brancos com os votos no 'não' possa superar o 'sim' - neste caso, a proposta de eleger uma Constituinte seria derrotada.
Tanto no caso da vitória do 'sim' como na do 'não', as perspectivas para o Equador são das mais imprevisíveis, segundo a maior parte dos analistas. Se a formação de uma Constituinte for aprovada, o país entrará num longo e certamente turbulento processo de reinvenção total, que só deve ser concluído no segundo semestre de 2008, se a maioria dos eleitores aprovar a nova Constituição num segundo referendo.
Se o 'não' vencer, o governo Correa sofrerá um enorme enfraquecimento, já que a Constituinte é um elemento central da estratégia do presidente desde a campanha eleitoral de 2006. Correa até mesmo ameaçou renunciar caso a Constituinte seja derrotada, com a alegação de que esse resultado seria um sinal de que a população rejeita sua agenda de reformas radicais.
'PARTIDOCRACIA'
Para o sociólogo Milton Benitez, da Pontifícia Universidade Católica do Equador (Puce), um defensor decidido do governo de Correa, 'a consulta popular é o momento culminante de um longo processo de confronto entre os movimentos sociais e a direita no Equador'. De fato, é difícil entender as implicações mais profundas do referendo sem levar em conta a tumultuada história política do Equador desde o final dos anos 90. Neste período, o país teve oito presidentes, sendo que três deles foram eleitos e posteriormente derrubados por levantes populares, com um fortíssimo componente indígena.
Um ponto-chave na estratégia política de Correa - e que pode realmente ser visto como o último capítulo da luta entre os chamados movimentos populares e o establishment - é a confrontação com os partidos políticos tradicionais e com o Congresso equatoriano.
Para o presidente e boa parte da esquerda, aqueles são os canais pelos quais se exerce a chamada 'partidocracia', que seria o controle político do país por uma oligarquia corrupta e antinacional, utilizando-se dos mecanismos formais da democracia. Desta forma, Correa determinou que a Aliança Pátria Altiva e Soberana, o movimento por ele fundado para lançar sua candidatura a presidente, não concorresse com nenhum representante para as eleições legislativas de outubro de 2006, que ocorreram simultaneamente ao primeiro turno da presidencial. O Congresso de 100 deputados, portanto, é maciçamente de oposição a Correa, e é dominado pelos partidos da direita tradicional.
Neste prisma, a tentativa de convocar uma nova Constituinte é uma aposta ousada de jogar para escanteio o Congresso, e tudo o que ele representa em termos de resistência às mudanças que deseja aplicar. Não por acaso, o Congresso resistiu à convocação da Constituinte, o que levou à crise recente na qual os congressistas tentaram destituir quatro dos sete membros do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) e este acabou destituindo 57 dos 100 deputados.
A votação de hoje não será apenas sobre se os equatorianos querem ou não uma nova Constituição, mas também se aprovam o conjunto de regras e procedimentos estabelecidos por Correa e pelo TSE sobre como ela será elaborada, aprovada e entrará em vigor. Estas regras, chamadas de Estatuto Eleitoral, prevêem financiamento exclusivamente público, listas eleitorais de partidos e de movimentos políticos e sociais, e representantes nacionais, provinciais e dos mais de 1 milhão de equatorianos no exterior entre os 130 membros a serem eleitos.
O principal pomo da discórdia é a formulação da pergunta do referendo, na qual consta que a Assembléia Constituinte terá 'plenos poderes, em conformidade com o Estatuto Eleitoral, para transformar o marco institucional do Estado e elaborar uma nova Constituição'. A oposição diz que os 'plenos poderes' poderão levar a mudanças radicais como a dissolução do Congresso, o fim da dolarização do país, e a imposição de um modelo estatizante e autoritário ao estilo do presidente Hugo Chávez, da Venezuela.