Título: Paz colombiana depende do tráfico
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2007, Internacional, p. A20
A longa negociação do presidente Álvaro Uribe para desmobilizar as milícias paramilitares esconde um paradoxo da política colombiana: as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), entidade virtual que representa os paramilitares, dominam metade do Congresso e são hoje uma vertente do narcotráfico. A negociação para a desmobilização dos ¿páras¿ passa por três condições impostas, na verdade, pelo narcotráfico, hoje uma classe emergente da qual depende a economia do país: 1) inserção social; 2) legalização dos capitais; e 3) fim à novela da extradição para os EUA.
¿Os `páras¿ - quer dizer, os narcotraficantes - querem ser reconhecidos como um segmento político e econômico da Colômbia¿, disse ao Estado León Valencia, diretor da ONG independente Corporación Nuevo Arco-Iris, que recebe dotações da Suécia. Hoje, avalia Valencia, o narcotráfico é responsável por ¿exportações¿ anuais de US$ 10 bilhões (as exportações colombianas são de US$ 24,4 bilhões). Em 2006 a Colômbia cresceu 6,8% (o Brasil, com índice corrigido, 3,7%) e parte desse crescimento deve ser atribuído ao giro interno do dinheiro ilegal do narcotráfico. Essa elite que domina, das sombras, um largo espectro de investimentos em construção civil, turismo, produção de etanol de palma africana e minas de ouro, agora quer mostrar a sua cara.
No início da década dos 80, os ¿ganaderos¿ (pecuaristas) do norte colombiano começaram a organizar milícias para se proteger dos achaques das guerrilhas. As milícias tiveram sucesso, até porque eram formadas por locais, que conheciam a região onde atuavam, se transformaram nos paramilitares e depois se organizaram nas AUC. O narcotráfico - que pagava ¿pedágios¿ cada vez mais vultosos à guerrilha - também aderiu à idéia até incorporar as milícias ao negócio, de uma forma que as duas operações nem se distinguiram mais.
O cenário colombiano é complexo. Criados para proteger fazendeiros, os ¿páras¿ se tornaram o braço armado do narcotráfico. Parte da guerrilha - as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que nasceram com tendência liberal e depois se tornaram comunistas - passou a extorquir fazendeiros, empresas e narcotráfico para angariar fundos. Hoje, os ¿páras¿ se confundem com o narcotráfico; e as Farc vivem da extorsão de seqüestros e ¿pedágios¿ cobrados ao narcotráfico, situando-se como protetores dos plantadores de coca.
GUERRILHA DA COCAÍNA
O senador Gustavo Petro, do oposicionista Polo Democrático Alternativo, diz que há indícios de que as Farc já atuam na exportação de cocaína. Sem bases urbanas por causa da repressão do governo Uribe, as Farc ganham caracterização cada vez mais camponesas e se aproximam de um ¿modelo Pol Pot¿, diz. ¿As Farc têm um despotismo militar similar ao dos paramilitares, cometem delitos iguais¿, afirmou ele ao Estado.
A primeira etapa de Uribe foi tratar a guerrilha a ferro e fogo, com a providencial ajuda dos paramilitares. Em quatro anos, ele eliminou as bases urbanas das Farc e confinou sua ação às selvas e montanhas. Na segunda etapa, ele conseguiu a desmobilização de 31 mil paramilitares - que entregaram 12 mil armas. Desde 2005, negocia para atrair o grupo guerrilheiro de esquerda Exército de Libertação Nacional (ELN), que nunca se envolveu com o tráfico, ao universo político legal. Petro, ex-guerrilheiro do M-19, disse ao Estado que seu partido ajuda nas negociações e está preparado para acolher o ELN.
Uribe aperta o torniquete que isola cada vez mais as Farc. Quando a guerrilha perdeu o controle das estradas, perdeu também a capacidade de fazer seqüestros e reduziu seu caixa, o que fez escassear seu armamento. Passou a operar com atentados a bomba e colocação de minas terrestres, o que fez crescer ainda mais a rejeição da população por sua luta e reforçou a caracterização internacional de ¿terroristas¿ propagada por Uribe. ¿As Farc não têm mais cérebro político¿, avalia Petro.
Para manter sua ofensiva, Uribe depende da ajuda americana (US$ 700 milhões por ano). Sem os recursos e o aconselhamento militar (há oficiais americanos em todas as Armas), ele não conseguirá manter sua política de ¿segurança democrática¿, ponto principal da alta popularidade que o presidente sustenta desde a posse, em 2002.