Título: Hambúrguer em vez de foie gras
Autor: Webb, Justin
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2007, Internacional, p. A25

Quais aspectos dos Estados Unidos podemos odiar? Existem várias respostas possíveis, nem todas publicáveis. No entanto, depois de semanas conversando com antiamericanos em Paris, Cairo e Caracas, estou mais convencido do que nunca de que o estado mental antiamericano é, freqüentemente, apenas isso: um estado mental, um preconceito. Não é racismo - os EUA não têm um perfil racial a ser odiado -, mas também não é simplesmente uma reação a eventos e políticas.

Há os que argumentam que seu ódio aos EUA é motivado por ações americanas - como disse um professor no Cairo: 'São as políticas, estúpido!' Este modo de pensar põe o apoio a Israel no topo de uma lista de ações que termina com quase tudo que o presidente americano George W. Bush disse ou fez. Mas Bush, para mim, é um facilitador do antiamericanismo, não um criador.

Este credo não é reativo, é visceral. Por qual outro motivo amigos ingleses com impecáveis credenciais anti-racistas perguntariam, referindo-se a nossos filhos, que cresceram nos EUA: 'Como vocês vão se livrar do sotaque deles?' Bem, por que desejaríamos nos livrar?

É fato histórico que o antiamericanismo antecede os EUA. Ele não foi inventado em reação à Doutrina Monroe, ao uso de fuzileiros navais para pacificar a América Latina, ao McDonald's, a Hollywood ou a Bush. Foi inventado por biólogos europeus que escreveram sobre o Novo Mundo, pouco depois de sua descoberta, afirmando que nada de bom poderia sair dali. Aquele mundo era medonho. Não prestava.

O filósofo holandês do século 18 Cornelius de Pauw já havia dito o seguinte sobre o continente: 'Tudo encontrado lá é degenerado ou monstruoso.' Muita coisa aconteceu desde então, mas alguma pessoas não perceberam - ou não querem perceber.

O escritor francês Bernard Henri-Lévy observa que o impulso de grande parte do desdém europeu pelos EUA veio da direita, de 'uma tendência fascista no pensamento francês baseada no medo e no ódio à democracia'.

Parte desse ódio subsiste na pergunta de nossos amigos sobre o sotaque de nossos filhos: trata-se de uma crença enraizada entre os europeus de que a democracia americana torna a cultura tosca. Eles acham que nossos filhos soam grosseiros. Não importa quantos prêmios Nobel vivam nos EUA, ou quantos romancistas ou músicos; no fim, o gosto que a América deixa na boca é de hambúrguer, não de foie gras.

Para mim, John Bolton parece o homem do hambúrguer. O menos diplomático dos diplomatas americanos recentes, Bolton, que deixou no final do ano passado o cargo de embaixador dos EUA na ONU, é a encarnação do que os antiamericanos querem dizer quando afirmam: 'São as políticas, estúpido!' Quando Bolton resmunga que 'a legitimidade dos EUA vem de nós mesmos, não precisamos de nenhuma validação externa', pode-se sentir os antiamericanos do mundo unindo-se e dando um soco no ar, com alegria; eles têm sua causa e - olhem só! - ela é razoável.

Assim, Hubert Védrine, o ex-ministro do Exterior francês, diz-me com um suspiro que 'os americanos são um povo colonizador com a missão de converter o mundo'. Eles esqueceram as lições da História, afirma Védrine, e é dever da Europa lembrar-lhes. Pedi que John Bolton comentasse essa sublime visão francesa. 'Boa sorte', riu-se ele.

Sem dúvida, é perfeitamente razoável discordar de Bolton. É perverso argumentar - como fazem alguns comentaristas dos EUA - que o antiamericanismo é sempre ilegítimo. Afinal, muitos americanos odeiam Bolton com a mesma intensidade. Também é possível exagerar o alcance do antiamericanismo.

DECEPÇÃO

Morando nos EUA nos últimos cinco anos, imaginei que o restante do mundo fervesse de indignação com o modo como tem sido tratado. No entanto, de um membro da Irmandade Muçulmana do Egito recém-saído da prisão e esperando voltar a qualquer momento, só ouvimos um polido desdém. Ele disse que não se interessava pelos EUA, mas tampouco queria vê-los destruídos. Existem, é claro, aqueles que massacrariam todos os americanos, mas nossas entrevistas indicam que os EUA precisam ser um pouco mais minuciosos ao julgar quem são seus verdadeiros inimigos.

Samuel Huntington, cientista político de Harvard, escreveu que 'a América não é uma mentira, é uma decepção'. Em outras palavras, a promessa do lugar é real, embora a realidade da ação americana seja, muitas vezes, tristemente falha. Os EUA são um projeto no qual o mundo tem interesse; nós, forasteiros, o criamos e deveríamos nutri-lo, não destruí-lo.