Título: Puxava boi. Hoje produz 25 milhões de litros
Autor: Brito, Agnaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2007, Economia, p. B8

Silvano Rodrigues Souza passou anos de olho no tacógrafo de um caminhão de transporte de gado. Foram centenas de viagens entre Campo Grande (MS) e a região da pecuária paulista. O maior surto de febre aftosa do País, em outubro de 2005 no Mato Grosso do Sul, fez minguar o ganha pão de Souza. O estado de sítio da pecuária na região interrompeu o trânsito de animais.

Agora, Souza não tira o olho de quatro monitores nos fundos da sala de controle da Usina Continental, em Colômbia, região de Barretos. O ex-puxador de boi é agora responsável pela produção de 25 milhões de litros de etanol que neste primeiro ano da usina deverão abastecer carros bicombustíveis ou ser exportados. É de Souza a missão de controlar remotamente toda a produção de álcool da usina. 'A pecuária fraquejou. A cana é o futuro', confia. Ele se prepara para voltar ao banco escolar. Fará um curso superior de tecnologia sucroalcooleira.

Saudoso, Anilson Henrique da Silva cuida da energia da usina Continental. Ele joga bagaço de cana na caldeira, onde começa o processo de autoprodução de energia numa usina. A lida com gado embala os pensamentos deste mineiro: morador de Planura, Silva gosta de visitar os sítios dos colegas nos fins de semana, onde há sempre uma vaca com cria para tirar leite. 'Não quero esquecer o que aprendi', justifica. O sonho de Silva é ter algumas cabeças de gado. O dinheiro curto nunca lhe permitiu realizar o sonho. Sobre a revolução canavieira que lhe deu emprego, guarda desconfiança. Acha que o fim do ciclo do boi de corte pode, em algum momento, tornar o produto caro demais. Sem saber, Silva descreve um ciclo econômico recorrente.

A cana que muda a geografia do interior paulista muda a vida de muita gente. Carlos Humberto de Carvalho era peão. Nos novos tempos cuida da parte agrícola da fazenda Continental. É o responsável pelo plantio e o corte. Saudades? 'Olha, meu amigo... Deixa pra lá.' Mas os bilhões que irrigam o setor sucroalcooleiro trouxeram salários maiores. 'A diferença entre um administrador agrícola da cana e outro da pecuária chega a ser de 50%', diz Lázaro Miguel Fernandes, administrador da Continental.

Na Fazenda Continental, Swamy Borges Gouveia é um dos poucos que sobraram na região. Peão desde sempre, Gouveia trata um rebanho de estrelas de leilão da raça brahman. 'Sou privilegiado', brinca. Montado em seu cavalo, toca o rebanho pelo resto de pasto das imensas glebas do interior paulista. Um tipo, por força das mudanças econômicas, cada dia mais escasso.