Título: Inflação de 2 dígitos. Na lavanderia, no salão, na academia
Autor: De Chiara, Márcia
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2007, Economia, p. B12

Há uma inflação escondida nos índices de preços que apontam a estabilização da economia. É a inflação dos serviços livres, aqueles cujos aumentos seguem apenas as leis de oferta e demanda do mercado e que são consumidos principalmente pela classe média. Nos últimos 12 meses até março, os preços dos serviços livres, que incluem gastos com lavanderia, corte de cabelo, academia de ginástica, entre outros, subiram em média 10,4%.

Esse aumento equivale a oito vezes a variação acumulada no mesmo período pelo o Índice de Preços ao Consumidor Semanal para a cidade de São Paulo (IPC-S), apurado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que foi de 1,3%. Em contrapartida, os preços do produtos comercializáveis, que são influenciados pelo dólar e sofrem a concorrência dos importados, caíram 0,70% em 12 meses até março.

Só na primeira quadrissemana desde mês, os paulistanos desembolsaram 4,17% mais pelos serviços de lavanderia; 5,18% por ingressos de teatro; 1,15% pelo conserto de eletrodomésticos e 0,67% nas mensalidades de academias de ginástica, segundo dados do IPC-S.

'Existe hoje nos serviços livres realmente uma inflação ao pé da letra, isto é, um aumento sistemático dos preços', afirma o coordenador do IPC-S de São Paulo, Paulo Picchetti. Essa tendência, segundo ele, deve persistir com a recuperação da economia.

Picchetti argumenta que a recomposição de renda e o aumento do nível de emprego, com dissídios salariais superando a inflação passada, são os combustíveis para reajustes robustos dos preços dos serviços.

Pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revela que, em 2006, os trabalhadores obtiveram o melhor resultado das negociações salariais desde a implantação da pesquisa em 1996. De 656 negociações, 86% tiveram reajustes superiores à inflação do período.

O economista pondera que os preços dos serviços livres ficaram represados durante um longo período porque não havia demanda que sancionasse os reajustes, que contribui para os aumentos. 'A mudança começou em setembro de 2003', observa, quando teve início o ciclo atual de recuperação do emprego e da renda.

'É exatamente nos preços dos serviços que a demanda pode mostrar as suas garras', afirma o economista chefe da Concórdia Corretora de Valores, Elson Teles. Mas ele observa que esse grupo de preços não tem peso para reverter o bom comportamento da inflação, que vem sendo garantido pelo câmbio desvalorizado, que puxa para baixo o preço dos produtos comercializáveis.

Teles destaca que, pela metodologia do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o índice oficial de metas de inflação do Banco Central (BC), os serviços livres fecharam 2006 com alta de 5,5%, ante inflação de 3,14% para o período. Em 12 meses até março, a variação acumulada dos serviços perdeu fôlego, caiu para 5,10%, mas ficou acima do IPCA, de 2,96%.

O economista diz que os preços dos serviços subiram menos porque foram influenciados pelas mensalidades escolares, que encerraram 2006 com alta de 6,79% e subiram em 12 meses, até março, 4,60%.

'A tendência dos serviços é de continuar com reajustes acima da média da inflação', diz Teles. Além da demanda fortalecida pelos reajustes salariais, segundo ele, o que também sustenta esses aumentos de preços é a demanda do setor público por serviços. 'Há uma certa rigidez para baixo dos preços dos serviços livres.'