Título: Eterna campanha
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2007, Notas e Informações, p. A3
O governo Lula é uma interminável campanha eleitoral. O ¿pacote de bondades¿ com que o presidente da República presenteou os prefeitos que foram a Brasília pedir mais dinheiro do governo federal e o clima de comício eleitoral em que Lula anunciou as medidas não deixam dúvidas quanto a isso. O problema é que, em comício de campanha eleitoral, em geral se fazem promessas que dificilmente serão cumpridas, e por isso nem sempre impõem ônus para o País. No caso presente, ao contrário, não se trata mais de promessas, mas de decisões de governo, que implicam novas despesas para as quais ainda não estão definidas as correspondentes receitas.
Qualquer que seja a solução que o governo encontre para a questão, as conseqüências serão ruins para o País. Ou se cortam outras despesas, e muito provavelmente serão cortados investimentos, o que resultará em perda de qualidade dos serviços prestados à população, ou se transfere a conta para o contribuinte, que, embora já pague impostos exorbitantes, terá de pagar ainda mais.
As bondades de Lula para os municípios são extensas e algumas delas, para serem concretizadas, exigirão razoável articulação da base de apoio do governo no Congresso. A principal é o atendimento da antiga reivindicação dos prefeitos, de elevação dos recursos que compõem o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) de 22,5% para 23,5% da receita com o Imposto de Renda e com o Imposto sobre Produtos Industrializados.
O governo já havia concordado em aumentar a fatia do FPM, e aceitou que a medida fosse incluída na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma tributária atualmente em tramitação no Congresso. O aumento do FPM já foi aprovado no Senado, mas, por falta de acordo a respeito da PEC, sobre a qual os governadores nunca se entenderam, o projeto parou na Câmara dos Deputados.
A área técnica do governo não queria desmembrar o aumento do FPM do restante da PEC da reforma tributária pois temia que, se isso fosse feito, os prefeitos perderiam interesse no assunto, o que reduziria a pressão política no sentido de aprovação da proposta. Agora, como anunciou Lula, o governo não tem mais interesse na PEC. ¿A reforma tributária prevista no Congresso não é mais a que nos interessa¿, disse o presidente, ao informar que autorizou sua base de apoio no Legislativo a votar separadamente o aumento da parcela da arrecadação a ser destinada ao FPM.
Bastou o presidente fazer o anúncio para que, como nos comícios eleitorais, a platéia reagisse com aplausos e gritos de aprovação. E Lula, como se estivesse mesmo em campanha - e o fato de ele ter convocado para o ato mais de duas dezenas de seus ministros não deixa dúvida quanto aos objetivos políticos de sua participação no ato -, disse que o aumento do FPM ia ¿libertar os prefeitos¿ do domínio dos caciques locais, muito diferente do que se fez no governo FHC, que, nas suas palavras, tratava os dirigentes municipais com ¿chicote¿.
E, para conseguir ainda mais aplausos, anunciou outras ¿bondades¿ para os prefeitos. Os municípios que firmarem convênios com o governo federal para projetos de habitação e saneamento previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não precisarão mais participar com 20% do custo. Sua contrapartida será reduzida para 0,1%, ou praticamente nada. Lula ainda prometeu isenção de tributos federais para os ônibus escolares a serem adquiridos pelas prefeituras e disse que procurará os governadores para negociar com eles a isenção também do ICMS.
Oferecer condições para os prefeitos desempenharem melhor suas funções pode ser um ato politicamente responsável do presidente. No caso das ¿bondades¿ anunciadas, porém, é preciso fazer pelos menos duas ressalvas. Elas são um mau exemplo para a administração pública, pois desestimulam as prefeituras a obter, como é seu dever, meios próprios para se sustentar financeiramente e, por isso, tendem a perenizar a situação atual, em que a imensa maioria delas só sobrevive à custa de transferências de recursos federais e estaduais. Do ponto de vista político, elas fortalecem as pressões dos prefeitos sobre o governo federal, razão pela qual cada vez mais concessões serão por eles exigidas.