Título: Para operário veterano, papa não é 'companheiro'
Autor: Menocchi, Simone
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2007, Vida&, p. A19

O sonoro ¿companheiro¿ que em 1980 deu boas-vindas ao papa João Paulo II no histórico encontro com os operários brasileiros no Estádio do Morumbi, na zona sul de São Paulo, não é um adjetivo que o papa Bento XVI poderia ouvir novamente da boca de Waldemar Rossi, de 73 anos. Autor da carta lida ao antecessor de Bento em nome dos trabalhadores do País, denunciando investidas da ditadura contra sindicalistas, Rossi garante que jamais aceitaria fazer um discurso para o atual líder da Igreja Católica.

¿Tenho discordância total com as idéias de (Joseph) Ratzinger. Estamos em um retrocesso. Com ele, não teria muito papo¿, argumenta o tradicional filho da esquerda, um dos fundadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e contemporâneo de Luiz Inácio Lula da Silva no início da carreira sindicalista do presidente. ¿Bento XVI não é um companheiro¿, alfineta o militante da Pastoral Operária da Igreja.

Rossi acusa o novo papa de não demonstrar preocupações sociais. ¿Tem uma visão européia demais do sistema. Está mais voltado para questões internas da Igreja¿, diz. ¿Se João Paulo II era visto por alguns como conservador, muito mais é esse atual.¿

Do evento em 1980, ele guarda muitas lembranças. Desde a proibição na entrada no estádio - ¿tive de usar a credencial do d. Paulo Evaristo Arns (então arcebispo de São Paulo)¿ - à necessidade, na última hora, de encurtar o discurso.

¿Foi um pedido dos auxiliares do papa. Pela chuva e pela agenda lotada. Só deixei o começo e a última parte¿, lembra. ¿O miolo, que era o trecho mais pesado, com denúncias claras contra os ataques aos sindicalistas, ficou de fora.¿

Crise de choro:

Pouca gente sabe, mas, nos bastidores, após dar um abraço em João Paulo II, Rossi teve uma crise de choro. ¿Não era pelo nervosismo, imagine. Era a pressão por ter de cortar meu depoimento.¿ Revela ele que, na hora em que foi orientado a diminuir sua fala, pensou em algumas alternativas. ¿Poderia atender à solicitação, ou enfrentar a todos em nome das minhas palavras. E até exigir que leria tudo ou nada. Resolvi aceitar.¿

Daquele fim de tarde no Morumbi para hoje, Rossi vê avanços na vida dos operários. ¿Houve um abrandamento da repressão contra os sindicatos, a CUT foi criada e vários outros direitos foram sendo conquistados¿, afirma.

Mas um conselho do papa, na opinião dele, ainda não foi seguido: ¿é preciso libertar os diversos campos da existência do domínio de um `economismo¿ avassalador¿. Como bom católico, no entanto, ele crê que haja salvação. ¿Nenhum sistema explorador permanece a vida toda.¿