Título: Um problema, duas oportunidades
Autor: Carneiro, Dionísio Dias
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2007, Economia, p. B2

No relatório do FMI (WEO, abril, 2007), o único país de peso que teve o crescimento esperado para 2007 revisto para baixo (-0,7 ponto porcentual) foi os EUA. Nada perto da queda súbita no crescimento da economia mundial liderada por um tombo nos ativos americanos - problema mais preocupante quando se avalia a possibilidade de mudança repentina nos cenários otimistas, que atualmente empurram para cima os preços das ações e para baixo os prêmios de risco. Entre outras causas, essa reversão seria provocada por uma reação contracionista do Fed (o banco central americano) ao aumento da inflação nos EUA, especialmente se essa reação vier, como costuma acontecer, em momento de mau humor dos mercados ou em meio a eventos negativos de origem menos mapeável (gripe aviária, tensões geopolíticas, etc.). Recentemente, os mercados têm namorado a idéia de que o resto do mundo pode estar menos conectado ao ciclo americano. Ou seja, considera-se um cenário em que os EUA se desacelerem, seja por correções dos exageros nos preços de imóveis, seja em conseqüência de um aperto do Fed, e o resto do mundo sofra pouco. Nesse caso, podem escapar incólumes preços de commodities e lucratividade esperada dos investimentos que têm diversificado a geografia da produção industrial do mundo. Esse descolamento seria boa notícia para os preços das ações e para as apostas no Brasil. Os principais fatores desse otimismo são: a) aumento da importância da China na dinâmica do crescimento mundial; b) dessincronização da Europa e dos endividados emergentes, como o Brasil, com respeito ao ciclo americano; c) aumento da qualidade das políticas monetárias em geral, que se tornaram mais preventivas e não apenas reativas aos dados, o que costumava agravar os efeitos dos choques; d) maior flexibilidade cambial, que permite às taxas de câmbio absorverem parte da energia que antes era transmitida ao emprego e à inflação; e) maior nível de reservas, o que possibilita aos países amortecerem choques externos. Se esse otimismo for justificado, há conseqüências importantes a se considerar. A primeira é que as revisões otimistas para o crescimento fora dos EUA podem ser mais importantes para os preços das commodities e dos ativos financeiros de risco em geral do que as analogias com os ciclos anteriores. A segunda é que há maior espaço para que as políticas monetárias autônomas, tornadas possíveis pelo regime de câmbio flexível, possam ser acionadas para proteger as economias nacionais de ondas recessivas externas. Essa é uma conseqüência importante da vitória contra a resistência política, comum na maioria dos países, ao aperto monetário para conter a inflação. Com inflação mais baixa e maior confiança na eficácia dos instrumentos de controle monetário dos bancos centrais, bem como na liberdade conquistada para utilizá-los, é natural que os choques externos contracionistas possam ser compensados sem que isso implique perda de credibilidade no combate à inflação. Para o Brasil, a atual conjuntura mundial traz duas oportunidades valiosas. A reputação do Banco Central, conquistada a duras penas, lhe permitiria, pela primeira vez na história da instituição, usar a política monetária para compensar um choque externo negativo, sem risco de ser considerado complacente. Com inflação projetada abaixo da meta, câmbio em processo de valorização e preços de exportação favoráveis, o processo de normalização das taxas de juros pode prosseguir com menor temor quanto aos sustos externos, e não como resultado das pressões políticas irresponsáveis que caracterizaram as críticas à atuação da instituição no front da inflação. A segunda oportunidade é para que os responsáveis pela política macroeconômica brasileira trabalhem efetivamente para aumentar o grau de abertura da economia (sem medo do aumento da dependência externa num momento de fragilidade cíclica) e para aumentar a atratividade da poupança doméstica (sem medo de que a desoneração das transações relacionadas aos investimentos comprometa a arrecadação tributária). Esses são tópicos em que o conservadorismo na política macroeconômica já terá rendido os frutos possíveis. A atual conjuntura externa, exposta pelo relatório do FMI, desenha uma moldura favorável para as aspirações de maior crescimento econômico para o Brasil nos próximos anos. O resto é por nossa conta, ou seja, menos confiável.