Título: Uma euforia financeira
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/04/2007, Espaço Aberto, p. A2

Uma seqüência de notícias vem contribuindo para gerar um clima de euforia quanto à situação da economia brasileira. Não há como negar que algumas são boas, mas na sua essência se referem mais ao lado financeiro da economia e a alguns segmentos isolados do setor produtivo. Ademais, contribuem para colocar em segundo plano gravíssimos e crônicos problemas, sem cuja solução o Brasil não irá acelerar com vigor o crescimento da sua produção de bens e serviços, expressa no seu produto interno bruto (PIB). É isso o que de fato interessa, pois só uma produção bem maior que a atual será capaz de elevar sensivelmente o bem-estar de sua população.

Comecemos pelas notícias financeiras. Juros em queda? A taxa básica fixada pelo Banco Central (BC) continua caindo, mas com a parcimônia de que fala em seus comunicados, mal sustentada cientificamente por uma visão que exagera o impacto de sua política de juros sobre a inflação. O BC não explica nem o contraditório dessa política, pois culpa o superávit da balança comercial pela queda do câmbio, mas dá pouca importância à grande relevância dessa queda na redução da inflação, a qual divulga como resultado de seus juros. E, mesmo em queda, estes continuam lá em cima, no espaço dos maiores do mundo.

Caiu o risco Brasil? Quem dera se fosse o risco de viver no Brasil. Trocado em miúdos, esse risco é um indicador financeiro que mede o diferencial de juros de papéis da dívida brasileira relativamente aos cobrados do Tesouro dos EUA. Sua queda significa que se pode tomar dinheiro mais barato lá fora, inclusive para o nosso Tesouro rolar a dívida pública, com a qual o País se enrolou. E para que empresas brasileiras tomem dinheiro também para investir em outros países. Não se traduz necessariamente naquilo que é relevante para o que de fato interessa: expandir investimentos públicos e privados no Brasil para acelerar o crescimento da economia.

Soube-se recentemente que o PIB brasileiro é maior do que se pensava - cerca de 10% a mais - e que de 2000 para cá também cresceu mais do mostravam os números antigos. Mas, no que de fato interessa, os dados continuaram revelando um crescimento muito fraco. E, também, que o Brasil investe menos do que imaginava. Nesse quadro, há gente muito contente olhando para o espelho retrovisor de um carro que anda devagar porque seu motor bate os pinos por falta de investimentos adequados. E, ainda, come poeira dos muitos outros países que estão à sua frente.

Esses novos dados também trazem um risco. Há uma dívida pública e uma carga tributária cujos valores absolutos não se alteraram, mas que, como porcentagem de um PIB maior, revelam números menos absurdamente altos do que os alcançados com os dados antigos. O risco está em o governo entender que os números são confortavelmente mais baixos e partir para aumentar a carga tributária e/ou a dívida pública.

No caso desta última, seus mesmos números relativamente ao ¿novo PIB¿ também aproximaram o Brasil do status financeiro conhecido como ¿Grau de Investimento¿ (GI), medido por avaliadores internacionais de risco. Isto colocaria o país na lista fora da qual investidores financeiros externos, como alguns fundos de pensão americanos, não podem investir. Mas serão aplicações financeiras, como na Bolsa, e não há garantia de que chegarão ao País, nem que se traduzirão em investimentos em atividade produtiva. Há países que tem o GI e mesmo assim crescem pouco.

A Bovespa também bate recordes, alimentando a euforia financeira. Suas cotações são turbinadas sobretudo por investidores estrangeiros que não têm o GI como limitação. Em caso de turbulência, podem sair e a Bolsa cair. Também contribui para sua valorização o desempenho de grandes empresas brasileiras. Mas ainda ontem, neste jornal, foi noticiado que a Fiesp contestou afirmação do presidente Lula de que, ao se encontrar com empresários, eles dizem que seus negócios estão ¿bombando¿. Segundo a Fiesp, essa visão só corresponde à dos empresários das grandes empresas, que têm acesso privilegiado ao presidente. Nas pequenas e médias empresas, a situação é outra, pois não alcançam dinheiro barato lá fora e têm de enfrentar a concorrência dos importados, alimentada pelo dólar barato.

Esse dólar é outro problema que os eufóricos não querem ver, mas que está trazendo sensíveis danos à economia brasileira. O presidente deveria procurar, entre outros, os pequenos e médios empresários das indústria têxtil, de confecções e de calçados. Quem sabe vestiria e calçaria os problemas dessas indústrias, em lugar de só dar ouvidos aos que estão ¿bombando¿.

Dado esse quadro, ele é claramente bom para quem tem dinheiro na papelada financeira, e para os bancos e outros intermediários que regem a festa, mas só excepcionalmente para quem produz e vende bens e serviços não-financeiros. De tabela, o consumidor também foi estimulado, com programas como o crédito consignado, a tomar dinheiro menos absurdamente caro para expandir suas compras a uma velocidade maior que a do crescimento da sua renda. Mas essa expansão se esgotará quando inevitáveis limites ao endividamento forem percebidos pelo devedor e/ou seus credores, além de ser também um movimento que, com o dólar barato, beneficia muito, via importações, o PIB de outros países.

Essa euforia financeira não lembra as risadas estridentes das hienas porque economias não morrem. A nossa economia é um caso de marasmo, por falta de nutrição adequada sob a forma de investimentos.

Esse já é um enorme desastre que deveria levar à comoção, e não a essa euforia que beneficia uns poucos, ilude muitos e também faz a festa de enganadores de todo tipo.