Título: A cobrança chinesa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/04/2007, Notas e Informações, p. A3

O Brasil deve torcer pela vitória dos Estados Unidos na ação iniciada na OMC contra os subsídios à indústria chinesa. A União Européia deverá participar do processo como terceira parte interessada, segundo informou o negociador comercial do bloco, Peter Mandelson. Em Genebra, diplomatas chineses cobraram do governo brasileiro uma definição, para saber se pretende entrar no jogo. O Itamaraty não deu uma resposta clara, alegando precisar de tempo para examinar os documentos do caso. A prudência é justificável, mas a informação conhecida até agora não parece deixar muita dúvida: trata-se de contestar, com base em regras internacionais, as subvenções concedidas pelo governo chinês tanto à produção quanto à exportação de produtos industriais. Se participar do processo como terceira parte interessada, o Brasil será beneficiado tanto quanto os EUA pela provável condenação das práticas chinesas.

Os diplomatas chineses têm dado sinais de compreensível ansiedade em seus contatos com os colegas em Genebra, sede da OMC. Há uma forte reação em todos os mercados ocidentais contra a invasão de manufaturados provenientes da China. O poder de competição da indústria chinesa resulta não só da escala de produção e da ampla oferta de mão de obra barata, mas também do câmbio subvalorizado - elemento importante da política econômica - e de uma enorme bateria de incentivos fiscais. Os incentivos são concedidos tanto a empresas nacionais quanto a indústrias criadas pelo capital estrangeiro. Governo e setor empresarial mantêm relações pouco transparentes para os observadores estrangeiros, mas grande parte da ajuda, segundo os indícios, é incompatível com as normas internacionais de comércio.

A China enfrenta na OMC vários processos e o número de ações continua a crescer. Os Estados Unidos iniciaram a disputa sobre os subsídios à indústria em fevereiro. O primeiro passo, de acordo com o ritual adotado na solução de conflitos, é a consulta entre as partes. Não havendo acordo, a controvérsia é submetida a um painel formado por três juízes. A consulta sobre os subsídios ainda será realizada.

Mas Washington acaba de iniciar mais dois casos contra a China. Num deles, o governo chinês é acusado de não fazer o suficiente para combater a pirataria. Produtos copiados ilegalmente por produtores chineses são vendidos em todo o mundo. O Brasil é um dos países mais afetados por esse comércio. Três quartos dos produtos falsificados vendidos no Brasil são originários da Ásia, principalmente da China, segundo especialistas.

O outro processo interessa particularmente aos EUA e provavelmente à Europa. Refere-se às barreiras mantidas na China contra a importação de filmes, discos, livros e softwares.

Diante do acúmulo de acusações de práticas desleais de comércio e de leniência com a pirataria, as autoridades chinesas buscam aliados entre os países emergentes. As autoridades brasileiras devem ter percebido, embora com grande atraso, o enorme engano cometido quando reconheceram a China como economia de mercado. Foi uma das muitas conseqüências deploráveis da política terceiro-mundista de ¿alianças estratégicas¿ com economias emergentes, subdesenvolvidas ou em transição do socialismo para o sistema de mercado. Esses parceiros nunca partilharam a ambição do governo brasileiro de redesenhar, por meio de alianças ¿Sul-Sul¿, o mapa econômico do mundo. De modo geral, também nunca disfarçaram seus objetivos de inserção na economia global por meio de ações mais pragmáticas, a começar pela conquista de acesso aos mercados desenvolvidos.

Embalado por aquele projeto ilusório, o governo brasileiro não só reconheceu uma China inexistente - a da economia de mercado -, mas ainda se sujeitou a imposições humilhantes. Ao cobrar, agora, a definição brasileira, a diplomacia chinesa se comporta com base na experiência dos últimos anos. Será uma novidade animadora ver o governo brasileiro, desta vez, agir com base num claro entendimento dos interesses comerciais do País. Mas não há sinal, por enquanto, dessa mudança.