Título: Plantio de cana para usina salva lavoura de agricultores
Autor: Arruda, Roldão e Tomazela, José Maria
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2007, Nacional, p. A6

A parceria com uma usina de açúcar e álcool para o plantio de cana nos assentamentos está ¿salvando a lavoura¿ de centenas de assentados do Movimento dos Sem-Terra (MST) no Pontal do Paranapanema, extremo oeste do Estado de São Paulo. Só no município de Teodoro Sampaio, a 580 quilômetros da capital, 119 famílias de seis assentamentos estão cultivando 654 hectares e devem colher nesta safra 31,8 mil toneladas. A produção será entregue à Destilaria Alcídia, a maior usina da região, com a qual os assentados mantêm contratos de safra.

¿A cana é a salvação, pois com outras lavouras só tive dor de cabeça¿, diz o assentado Mário Augusto dos Santos, de 69 anos, do Assentamento XV de Novembro. Militante do MST, ele conta que conseguiu o lote de 25 hectares há sete anos, depois de ficar acampado três anos e seis meses. ¿Agora, estou meio aposentado, mas ainda participo de reuniões do movimento.¿

Santos não vê ¿nada demais¿ em plantar cana e agradece o apoio do usineiro, que prepara o terreno, faz o plantio, dá assistência técnica e compra toda a produção. ¿Este ano já recebi R$ 6,5 mil, mas até o final da safra pego mais uns R$ 5 mil¿, contabiliza. O dinheiro é suficiente para pagar a última parcela do financiamento da lavoura, de R$ 6,1 mil, e ainda sobra para manter a família - a esposa, uma filha e dois netos.

Das duas safras que colheu, livrou o suficiente para construir uma pequena oficina de costura, onde a filha e a esposa trabalham. ¿Depois que entramos com a usina, as coisas começaram a andar¿, diz.

No resto do lote, Santos cria gado de corte - outra atividade condenada pelo MST -, mas adverte: ¿O gado não é negócio bom como a cana.¿ Antes do canavial, ele tinha plantado mandioca. ¿O preço não cobria nem o frete e soltei o gado na roça.¿

Todos os vizinhos do assentado aderiram ao canavial. A cultura se espalha também pelos assentamentos Alcídia da Gata, Laudenor de Souza, Santa Cruz da Alcídia, Santa Terezinha da Alcídia e Santa Zélia. Os sem-terra queimam a cana para a colheita. Os contratos foram firmados em 2002 pelo prazo de cinco anos, sob a supervisão do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp).

De acordo com o diretor da usina, Ruyter da Silva Filho, os assentados têm permissão do Itesp para plantar cana em até 30% do lote, cuja dimensão varia de 18 a 25 hectares. O custo de formação da cultura, de cerca de R$ 15 mil por lote, é financiado pelo Banco do Brasil.

¿Somos avalistas da operação e temos autorização do assentado para fazer o pagamento ao banco, descontando do valor da produção¿, relata Silva Filho. ¿A região tem o maior número de assentamentos no Estado e nos sentimos na responsabilidade de desenvolver algum trabalho com os assentados.¿

Harmonia:

A relação com o MST passou a ser harmoniosa, segundo o diretor. ¿Não tivemos problema de invasão.¿ O usineiro vai aos lotes para verificar o desenvolvimento das lavouras. A usina, que este ano vai moer 1,3 milhão de toneladas, 65% de cana própria, tem outros fornecedores que não são assentados. Parte da produção é exportada.

A Alcídia dá emprego com carteira assinada a outros 400 assentados - 20% do total de empregados - no campo e na área administrativa. Muitos trabalham no corte da cana.

Segundo Silva Filho, a empresa estuda nova parceria com o MST para a produção de biodiesel a partir da planta conhecida como pinhão manso. Agregada à usina, a fábrica do combustível teria custo 40% menor.

O projeto foi apresentado na semana passada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário pelo líder José Rainha Júnior. As mudas estão sendo produzidas em viveiros, e o plano é plantar 2,5 mil hectares por ano.

Rainha considera que a parceria dos assentados com a usina de cana-de-açúcar supre a falta de projeto do governo para os assentamentos. ¿A cana não é alternativa para o pequeno produtor, mas o assentado tem de plantar para não passar necessidade.¿ Ele acredita que o biodiesel pode ser uma opção. ¿Ou se tem um projeto alternativo, ou todo assentamento vira um canavial.¿

O presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, considera o cultivo da cana nos assentamentos uma ¿contradição¿ do MST. ¿Na verdade, a parceria parece arrendamento disfarçado: a usina entra com tudo e paga ao assentado pelo uso da terra.¿ Segundo ele, o MST ataca o agronegócio, mas acaba dependendo dele para a sobrevivência dos assentados.

Frases:

Mário Augusto dos Santos Assentado

¿A cana é a salvação. Com outras lavouras só tive dor de cabeça¿

José Rainha Júnior Líder do MST no Pontal

¿A cana não é alternativa, mas o assentado tem de plantar para não passar necessidade¿

¿Ou se tem um projeto alternativo, ou todo assentamento vira um canavial¿

Luiz Nabhan Garcia Presidente da UDR

¿A parceria parece arrendamento disfarçado: a usina entra com tudo e paga pelo uso da terra".