Título: EUA impõem 'sermão' pré-aborto
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2007, Vida&, p. A14

O mais agitado campo de batalha no debate sobre o aborto nos Estados Unidos gira atualmente em torno de uma pergunta simples: o que as mulheres precisam saber antes de interromper uma gravidez? Legisladores do Estado de Dakota do Sul querem obrigar os médicos - sob pena de um mês de cadeia - a dizer às mulheres que o aborto vai matar ¿um ser humano completo, distinto, único, vivo¿.

A Carolina do Sul está prestes a exigir que as mulheres vejam imagens de ultra-som de seus fetos na presença de um médico antes de consentir com a interrupção da gravidez. No Mississippi, é obrigatório que as mulheres escutem o batimento cardíaco do feto durante a checagem do médico encarregado de realizar o aborto.

Para a ativista antiaborto Leslee Unruh, essas leis representam proteção. Unruh fez um aborto décadas atrás e desde então lamenta a decisão; ela acredita que pode salvar outras mulheres da angústia garantindo que elas saibam exatamente o que perderão ao interromper uma gravidez. ¿Disseram-me que (o feto) era apenas uma bolha, nada mais que isso. Quando estamos em crise, dispomo-nos a acreditar em muita coisa¿, disse Unruh. Mais tarde, ela passou a ver a ¿bolha¿ como um bebê que deveria ter sido seu filho - e diz ouvir histórias semelhantes todo dia em seu centro de aconselhamento em Sioux Falls, Dakota do Sul: ¿As mulheres vêm até nós dizendo que não foram informadas.¿

As leis de consentimento informado não são novas nem incomuns; existem em 32 Estados americanos. Na forma mais básica, exigem que as mulheres recebam panfletos explicando o desenvolvimento fetal e descrevendo alternativas ao aborto. Cada vez mais, no entanto, ativistas antiaborto fazem pressão para que as mulheres recebam informações mais detalhadas - e mais carregadas emocionalmente. No ano passado, parlamentares apresentaram 92 projetos para expandir leis de consentimento informado.

TERRORISMO

Ativistas pró-direito de aborto consideram o consentimento informado uma hipocrisia - um meio pouco sutil de assustar, desorientar ou envergonhar as mulheres para fazê-las desistir de um decisão já tomada com cuidado. A mais contestada dessas leis é a de Dakota do Sul, debatida recentemente num tribunal federal.

A lei apresenta uma longa lista de advertências que o médico deve ler para a paciente, fazendo pausas para garantir que ela entenda e para que assine cada página de um formulário. É preciso dizer-lhe que um aborto pode transformá-la numa suicida e sujeitá-la a ¿problemas psicológicos¿ e a riscos de infecção, infertilidade ou morte. O médico tem de falar ainda que o aborto eliminará a vida de um ser humano e sobre a ¿relação existente¿ da mulher com seu feto, descrito no estatuto como uma ¿criança não nascida¿.

Depois as pacientes ainda têm de esperar por duas horas antes de realizar o procedimento com o objetivo de pensar nas informações. Os médicos que não respeitam a lei estão sujeitos a processo criminal.

Na audiência, na Corte de Apelações da 8ª Circunscrição, em Saint Louis, advogados da ONG Planejamento Familiar argumentaram que a lei viola a liberdade de expressão dos médicos e substitui a ciência pela ideologia. Em particular, eles se preocupam com a obrigação de o médico chamar o feto - mesmo nos primeiros estágios de gestação - de ¿ser humano¿.

O procurador-geral estadual de Dakota do Sul, Larry Long, disse não ver nenhum problema na expressão. ¿As mulheres sabem que não estão grávidas de um macaco ou de um pastor alemão. Por que seria tão ofensivo dizer-lhes que se trata de um ser humano?¿

Mas as pessoas que oferecem o aborto - e alguns especialistas em legislação - discordam. ¿Se uma paciente perguntasse a nossos médicos: `Quando a vida começa?¿, eles responderiam que não existe resposta científica. É uma questão religiosa, espiritual, pessoal, que as mulheres têm de responder sozinhas¿, afirma Sarah Stoesz, executiva-chefe de Planejamento Familiar em Dakota do Sul, Dakota do Norte e Minnesota.

¿Isso não é informação médica neutra. É afirmar, com todas as letras, que o aborto é o assassinato de um ser humano¿, diz John Seery, cientista político do Pomona College que estuda políticas de aborto.

Outra estratégia que ganha força é a exigência de que os médicos falem com as pacientes sobre a dor fetal - e, em alguns casos, ofereçam anestesia para o feto. Vários Estados obrigam os médicos a informar as mulheres de que o aborto pode estar ligado ao câncer de mama, embora especialistas em câncer dos Estados Unidos não tenham identificado ligação.