Título: Aeroportos privados, qual o problema?
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2007, Economia, p. B2

O principal aeroporto da Europa, Heathrow, em Londres, é privado. O acionista controlador é uma companhia espanhola, a Ferrovial, que o comprou, no ano passado, por quase US$ 19 bilhões. É como se o Aeroporto de Congonhas fosse propriedade de uma empreiteira, digamos, argentina.

Qual o problema?

O problema é que Heathrow é uma porcaria, responderiam os 68 milhões de usuários que passam por esse aeroporto, eternamente lotado. Estão vendo? Aqui, no Brasil, se diria: privatizaram, deu nisso.

Mas todo o nosso sistema aeroportuário é estatal e funciona ainda pior. Donde as nossas autoridades poderiam concluir: não tem crise, esse negócio de tráfego aéreo é assim mesmo, atrapalhado em toda parte.

Mesmo assim, qualquer um concordaria, aqui e em Londres, que são necessários novos investimentos para ampliar a capacidade desse importante item da infra-estrutura de um país. O que nos remete, de novo, à questão inicial: quem fará os investimentos, o governo ou as empresas privadas?

As privadas, tal é a discussão na Inglaterra, como registra a revista The Economist na edição da semana passada. O problema lá é claramente de regulação - ou má regulação - de mercado. Londres tem outros dois aeroportos, Gatwick e Stansted, e tranqüilamente comportaria um quarto.

Parece lógico que, com uma boa regulação que desse mais liberdade de atuação a empresas e consumidores, haveria uma divisão dos vôos hoje concentrados em Heathrow.

O problema é que os outros dois aeroportos pertencem ao mesmo dono, a tal Ferrovial, que, assim, detém um completo monopólio. Mas essa não é a única distorção. Há outras, como linhas e direitos de pouso mal alocados e que praticamente não podem ser negociados ou alterados. Em resumo, o mercado é engessado pela regulação estatal - e esse é o problema, não a propriedade dos aeroportos.

Que lições se podem tirar para o Brasil?

Na verdade, a decisão aqui deveria ser mais fácil. Começa que o governo federal não tem o dinheiro necessário para investir pesadamente no setor. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) reserva R$ 3 bilhões para todos os aeroportos do País, e apenas os três principais de São Paulo - Congonhas, Cumbica e Viracopos -, segundo especialistas, precisariam de R$ 7 bilhões para uma boa atualização.

Sem nenhuma dúvida, portanto, o dinheiro público é curto. Já no setor privado, nacional e internacional, sobram dinheiro e capacidade.

Para São Paulo o governo poderia perfeitamente licitar a construção de um novo aeroporto, criando, ao mesmo tempo, regras que levassem à competição. Assim, companhias e usuários poderiam escolher este ou aquele aeroporto, conforme as comodidades e as tarifas oferecidas.

Qual o problema?

Se a gente deixar de lado as restrições ideológicas, a solução é óbvia e simples. E única. A escolha não é entre um bom sistema privado ou público. É entre o privado e nenhum, já que o governo não tem os recursos necessários para um ganho de verdade na infra-estrutura do País.

Outro dia, Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas e da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções, foi conhecer as zonas de exportação da República Dominicana. São 9 milhões de habitantes numa meia ilha, do tamanho de Sergipe e Alagoas, mas com oito aeroportos internacionais, todos privados. Na cidade de Santiago, 1 milhão de habitantes, sem pólo turístico, há um aeroporto que recebe oito vôos diários de Nova York.

Já o aeroporto de Lisboa é uma porcaria, estatal. Totalmente insuficiente para a nova economia portuguesa. Está em processo de privatização, numa licitação internacional. O vencedor terá de reformar o atual e construir um novo.

É um bom esquema para São Paulo. Congonhas, certamente, é rentável. Pois, então, licita-se Congonhas, um prêmio, mas o vencedor se obriga a construir um novo. E se ganha uma empreiteira espanhola, qual o problema?

Dirão que o sistema aeroportuário é ¿estratégico¿, por isso tem de ficar nas mãos do Estado. Bobagem. Diziam a mesma coisa do sistema de telecomunicações - que a privatização seria um risco para a soberania nacional. Alguém notou algo além da extraordinária expansão do setor, que melhorou, e muito, a posição estratégica do País nessa crucial infra-estrutura?

O que o Estado precisa controlar é o espaço aéreo nacional, por razões de segurança. E regular todo o setor, mas de modo a permitir a expansão do mercado.

Mas esqueçam, nada se encaminha nessa direção. O governo acha que não existe apagão aéreo e que basta a contratação de mais meia dúzia de controladores que estará tudo resolvido. E, ah, sim, com o recapeamento meia-boca da pista de Congonhas.

Nem é diferente do que ocorre em estradas, energia, portos. Nem o governo consegue investir nem abre espaço para o investimento privado. Ainda na semana passada o Ministério dos Transportes informou que não tem prazo para o relançamento dos editais de licitação de rodovias federais, em estudos desde o início do primeiro mandato de Lula.

Eles dizem que as empreiteiras não podem ganhar muito dinheiro, de modo que é preciso arranjar uma fórmula que derrube o preço do pedágio. Assim, não há nem estradas públicas nem privadas. Na Páscoa, o pessoal fugiu dos aeroportos e foi se arrebentar nas péssimas estradas.

Estratégico!