Título: Morales arma o bote
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2007, Notas e Informações, p. A3

O governo do presidente Evo Morales é cada vez mais parecido com o do coronel Hugo Chávez. Assim como fez seu mestre venezuelano, o discípulo boliviano arma o bote para ocupar o palácio presidencial por um longo período - pelo menos até 2018. Hugo Chávez, como se recorda, assumiu o governo em 1998 e, no ano seguinte, convocou uma Constituinte. Em 2000, mudadas as regras básicas do país, convocou eleições, embora seu mandato estivesse pela metade. Seus planos declarados são de ficar no poder até por volta de 2030. Já o presidente Evo Morales, aproveitando-se da experiência de seu mentor, foi mais rápido. Convocou a Constituinte logo após tomar posse e, agora que os legisladores do governo e da oposição se puseram de acordo sobre as formas de votação, num debate que consumiu seis meses, e a respeito de alguns pontos - o papel do Estado como orientador estratégico da economia, o reconhecimento da diversidade étnico-cultural do país e a implantação de um sistema de autonomias regionais -, trata de acelerar ainda mais o processo de ¿refundação¿ da Bolívia.

Evo Morales pressiona a Assembléia Constituinte para concluir seus trabalhos até agosto e já estabeleceu o calendário político do país. Em 2008, segundo ele, haverá eleições presidenciais, a despeito do fato de seu mandato expirar somente em 2011. Foi além. Insinuou que haverá eleições gerais, o que significaria a extinção prematura dos mandatos dos nove governadores, quatro dos quais fazem oposição cerrada a seu governo. E, para não deixar dúvidas sobre a firmeza de seus propósitos, fez o anúncio em um comício realizado na cidade de Warnes, na presença do governador do Departamento de Santa Cruz - justamente onde se concentra a maior oposição ao socialismo indígena de Morales e a maior força política e econômica a favor da autonomia.

A diferença em relação ao que Chávez fez é apenas de grau. O coronel, desde o primeiro momento, anunciou que seria candidato a permanecer em Miraflores indefinidamente. Evo Morales não ousa tanto. Às voltas com uma oposição aguerrida e já não podendo contar incondicionalmente com os ¿movimentos sociais¿ que o conduziram ao poder - cujos reclamos radicais e impacientes o presidente não pode atender imediatamente -, Morales não afirmou categoricamente que será candidato à sua própria sucessão.

Mas, como isso é óbvio, a oposição apressou-se a esclarecer que a convocação de eleições gerais antecipadas não é uma atribuição do Poder Executivo e a lembrar que se oporá à criação do instituto da reeleição.

A batalha parlamentar a respeito da reeleição será das mais renhidas. O Movimento ao Socialismo, partido que apóia Evo Morales, já se definiu, como sempre, de forma radical: ¿As instituições do atual Estado estão mortas. Devemos criar uma nova institucionalidade e, nesse marco, convocar imediatamente novas eleições para todos os cargos.¿

As semelhanças de Evo Morales com Hugo Chávez não param aí. Há poucos meses, o coronel golpista lançou nova ofensiva contra os meios de comunicação, anunciando que não renovaria a concessão para o funcionamento do canal de televisão com maior audiência da Venezuela e que faz oposição ao regime bolivariano. No mês passado, o seu discípulo boliviano ameaçou ¿nacionalizar¿ o jornal La Razón, de La Paz, de propriedade de um grupo espanhol.

O jornal incorreu na ira do caudilho cocaleiro depois de ter publicado notícias a respeito da queda das receitas do petróleo e do gás, provocada pela nacionalização das reservas de hidrocarbonetos e da estatização forçada de 51% das ações das empresas que atuam no setor.

A bravata de Morales provocou reações imediatas. A Sociedade Interamericana de Imprensa, reunida em Cartagena, na Colômbia, registrou a existência de ¿inquietantes sinais¿ de deterioração da liberdade de imprensa no país. As organizações bolivianas de jornalistas também protestaram. Morales recuou, mandando o seu porta-voz dizer que não haverá nacionalização. Mas que continuará a criar rádios comunitárias, com dinheiro venezuelano, para transmitir ¿a sua verdade¿.