Título: Timor Leste vai às urnas sob tensão
Autor: Dorlhiac, Gabriella
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2007, Internacional, p. A10

O Timor Leste, nação mais jovem e pobre da Ásia, começou a realizar hoje (noite de ontem, horário de Brasília) sua segunda eleição presidencial em meio a uma onda de violência entre os partidos rivais. Cerca de 500 mil eleitores devem escolher entre oito candidatos, mas segundo analistas apenas dois têm chances: José Ramos-Horta, primeiro-ministro interino e Prêmio Nobel da Paz de 1996, e Francisco Guterres, da Frente Revolucionária do Timor Leste Independente (Fretilin). Caso ninguém obtenha maioria, o segundo turno está marcado para o mês que vem.

Horas antes da abertura da votação, a juíza brasileira Sandra Silvestre, que trabalhava como observadora internacional, foi esfaqueada na capital, Díli. Vítima de um assalto, ela foi levada para um hospital e passa bem (leia nesta página).

A violência marcou todo o processo eleitoral. Na semana passada, confrontos entre partidos rivais deixaram mais de 30 feridos e levaram à intervenção das forças de paz internacionais. Ainda está recente na memória da maioria dos timorenses os massacres do ano passado, quando 37 pessoas morreram e 100 mil fugiram da capital por causa de uma crise desatada pelo levante de 600 militares que se queixavam de discriminação. O então primeiro-ministro Mari Alkatiri foi obrigado a renunciar depois que o presidente Xanana Gusmão o acusou de ter incitado a onda de violência.

O episódio causou o temor de que o país de 1 milhão de habitantes possa entrar novamente no caos. O Timor Leste conquistou sua primeira independência em 1975, um ano após a Revolução dos Cravos ter destronado a ditadura portuguesa, fazendo com que os colonizadores se retirassem da ilha. A libertação, contudo, transformou-se em drama no ano seguinte, quando o país foi invadido pela Indonésia.

Após duas décadas de dominação, em 1998, depois da queda do ditador Mohamed Suharto, o novo governo indonésio permitiu que Timor Leste, a pedido da ONU, realizasse um plebiscito, que aprovou por ampla maioria a independência da parte leste da ilha de Timor. No entanto, antes que o Exército indonésio deixasse o território, em setembro de 1999, milicianos lançaram uma campanha de terror e violência que deixou pelo menos mil mortos e destruiu 80% da infra-estrutura local.

¿Nos últimos quatro anos, as tensões políticas no Timor aumentaram muito¿, afirmou por telefone ao Estado a professora do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília Kelly Silva, que acaba de voltar de Díli, onde fez uma pesquisa sobre as eleições timorenses.

¿O conflito no Timor é uma disputa política pelo poder e não uma crise de identidade do país¿, ressaltou. Segundo Kelly, os diferentes grupos de resistência à ocupação indonésia agora disputam o poder. ¿Cada um quer o reconhecimento de seu papel na luta contra a Indonésia¿, disse. Esse reconhecimento se traduziria em pensão para os combatentes e acesso a cargos do governo.

APOIO

A questão da língua também tornou-se assunto central da eleição. Atualmente, o português e o tétum são as línguas oficiais do país. Como apenas 7% dos timorenses falam português, muitos reclamam que isso os exclui de vários empregos. Para a pesquisadora da UnB, é impossível apontar um candidato favorito. ¿Os comícios de Guterres são os mais cheios, mas isso não é um indicador confiável¿, disse.

O primeiro-ministro interino Ramos-Horta conta com o apoio importante do presidente Xanana, figura-chave no país e que liderou o movimento de independência. Xanana, eleito em 2002, decidiu não concorrer à reeleição. No entanto, deixou claro que pode concorrer ao cargo de primeiro-ministro nas eleições parlamentares do fim do ano. Para ele, a votação de hoje é uma oportunidade para mostrar que a jovem nação não é um Estado fracassado.

Cerca de 75% dos timorenses vivem em áreas rurais e 41% sobrevivem com apenas US$ 0,50 ao dia. Apesar dos indicadores ruins, o país vem avançando economicamente. ¿O Timor é uma nação relativamente independente do ponto de vista econômico. É rico em petróleo, gás e diamante. Se em 2002 dependia de doações internacionais, hoje o orçamento é quase 100% nacional¿, explicou a pesquisadora Kelly Silva.

HISTÓRIA TURBULENTA

1975: Portugal se retira do Timor Leste. Partido Fretilin declara independência do país, que é invadido por tropas indonésias

5/5/1999: Indonésia e Portugal assinam acordo histórico que permite aos leste-timorenses votar em eleição pela independência

30/8/1999: Em eleição organizada pela ONU, 75,8% dos eleitores optam pela independência

30/8/2001: Eleição dos 88 integrantes da Assembléia Constituinte encarregados de elaborar a minuta da Constituição

17/4/2002: Ex-líder guerrilheiro Xanana Gusmão vence com mais de 80% dos votos as primeiras eleições presidenciais do país

20/5/2002: Após 450 anos de controle estrangeiro, país dá início oficial à independência

Maio/2006: Onda de violência iniciada após levante de 600 militares que se queixavam de discriminação deixa 37 mortos. Cerca de 100 mil fogem da capital, Díli, temendo novo massacre.