Título: Perto de virar credor do mundo
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2007, Economia, p. B2

Na sua luta para segurar a cotação do dólar, o Banco Central comprou nada menos do que US$ 21 bilhões nos três primeiros meses deste ano. Com isso, as reservas internacionais do País já superam US$ 110 bilhões. Se essa tendência de aquisição de divisas continuar, dentro de pouco tempo o Brasil sairá da situação secular de devedor para a de credor do mundo. Na verdade, faltam cerca de US$ 37 bilhões para que isso aconteça, pois a dívida externa total de médio e longo prazo, pública e privada, está em US$ 147 bilhões. Existe ainda uma dívida de curto prazo em torno de US$ 23 bilhões, relacionada às atividades comerciais.

Essa é uma situação que não acontece desde o final da Segunda Guerra mundial, como lembrou o economista Carlos Mussi, da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), em conversa com este colunista. Naquela época, o Brasil acumulou créditos contra vários países, como a Inglaterra e os Estados Unidos. Mas a situação que está no horizonte deste ano é ainda melhor, pois, como explicou Mussi, desta vez o crédito brasileiro é cash, ou seja, em dólares, que poderão ser utilizados a qualquer momento e da forma que o País achar melhor.

Há sete anos, o Brasil tinha quebrado e vivia as dificuldades daquilo que se convencionou chamar de vulnerabilidade externa. A política econômica estava voltada para a geração de divisas que permitissem ao País pagar os seus compromissos no exterior. A taxa de juro era mantida muito elevada, pois era preciso oferecer um elevado prêmio de risco para atrair os investidores. Na nova situação, a vulnerabilidade externa desapareceu e, agora, o financiamento externo não é mais um problema a ser considerado.

A nova situação coloca uma série de interrogações para a política econômica do governo, como disse o economista Raul Velloso a este colunista. A primeira delas é saber se o Banco Central continuará comprando divisas mesmo quando o Brasil se tornar credor. É difícil imaginar que um país ainda com tantas carências possa se tornar exportador de poupança. Se a decisão for de não comprar mais dólares, a dúvida passa a ser sobre a cotação do real, cuja tendência de valorização ficará ainda mais acentuada.

A questão da taxa de juro interna daqui para frente é outra interrogação. Parece evidente que o risco de um país que está na situação de credor é próximo de zero. Não é por outro motivo que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse, durante a reunião ministerial da semana passada, que o risco Brasil chegará, em breve, a 100 pontos básicos - na quinta-feira, ele estava em 161 pontos. Esse índice mostra quanto um país deve pagar a mais do que o Tesouro dos Estados Unidos para obter empréstimo no mercado internacional. O custo para o Tesouro brasileiro, hoje, é de 1,61 pontos porcentuais (ou seja, 161 pontos básicos) acima da taxa paga pelo Tesouro americano.

Se a tendência do risco Brasil é cair muito daqui para frente, a taxa de juro praticada pelo Banco Central ficará cada vez mais desequilibrada, disse Carlos Mussi. Como não há mais vulnerabilidade externa, não há mais cobrança de elevado prêmio de risco por parte do investidor estrangeiro. A questão que fica é saber qual é a percepção de risco do Banco Central que justifique a manutenção, aqui dentro, da maior taxa de juro real do mundo.

Raul Velloso chamou a atenção para o fato de que o Brasil vive uma realidade de estabilidade da taxa de câmbio, com tendência de queda. O Banco Central compra o que for necessário para manter o câmbio estável. 'Em raríssimos momentos o Brasil viveu situações como esta', afirmou. A estabilidade indica que não há pressão de preços relacionada com expectativa de desvalorização cambial. Assim, disse Velloso, o controle da inflação fica mais fácil.

Com o risco Brasil em queda e com a taxa de câmbio sem pressionar a inflação, os dois economistas consideram que estão criadas as condições para uma redução mais rápida da taxa de juro interna. Velloso acha que ela só não cai mais rápido porque o BC quer ser conservador. 'É prudência pura', disse. Mesmo assim, Velloso acha que a taxa real de juro chegará a 6% ao ano, no prazo de 12 meses. Hoje, ela está em torno de 8,5% ao ano.

A percepção do BC sobre o risco de uma queda mais acelerada dos juros pode estar relacionada, na opinião de Mussi, à idéia de que as pessoas correrão para o consumo de bens e serviços, o que poderá provocar inflação de demanda. Este cenário, raciocina o economista, colocaria a necessidade de o governo cortar os seus gastos, o que, com os sinais atuais, é uma alternativa difícil de ser executada.