Título: 50% de ocupados têm emprego extra
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2007, Economia, p. B3

Quase 50% dos ocupados no País desempenham mais de uma atividade no mercado de trabalho ou fazem hora extra para compensar a queda da renda. Pressionados pelo aumento dos gastos, mais de 32 milhões de trabalhadores cumprem jornada superior às 44 horas semanais previstas na Constituição, enquanto outros 4,2 milhões têm duas ou mais ocupações. Entre os aposentados e pensionistas, 6,6 milhões continuam na ativa.

Os números são de um levantamento feito pelo professor Márcio Pochmann, do Centro de Estudos de Economia Sindical e do Trabalho, da Unicamp, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE.

Entre 1999 e 2005 (último dado disponível), a quantidade de brasileiros que exercem o chamado sobretrabalho passou de 37,7 milhões para 42,8 milhões - um salto de 13,5%, equivalente ao acréscimo de 5,1 milhões de pessoas. Em 2005, existiam 87,1 milhões de ocupados em todo o País.

A pressão sobre o mercado de trabalho é crescente. Além do avanço do desemprego, que atingia 8,9 milhões de brasileiros em 2005, ante 7,6 milhões em 1999, também cresceu o número de pessoas que estavam empregadas mas procuravam outra ocupação. Passou de 5,6 milhões para 8,8 milhões , o que representa aumento de 57% entre os dois períodos.

¿Os números refletem uma mudança na estrutura de ocupação brasileira¿, afirma Pochmann. ¿O crescimento anêmico da economia gera empregos de baixa remuneração, o que leva as pessoas a trabalharem mais para conseguir uma renda satisfatória.¿

O economista explica que, entre 1999 e 2005, o País criou 20,9 milhões de ocupações com remuneração inferior a dois salários mínimos (o equivalente a R$ 760 hoje). Em contrapartida, fechou 5,5 milhões de postos que pagavam mais. O saldo foi a abertura de 15,4 milhões de vagas de baixa remuneração.

Desde 1996, quando a remuneração do trabalho no País apresentou o nível mais alto do Plano Real, o rendimento médio dos ocupados teve queda de 15%, passando de R$ 948, naquele ano, para R$ 805 em 2005, já descontada a inflação.

Não é à toa que a participação dos rendimentos do trabalho no Produto Interno Bruto (PIB) tem caído. Sua participação, que era de 50% da renda nacional em 1980, encolheu para 36% em 2004.

DUPLA JORNADA

A secretária Aparecida Falopa de Souza, de 48 anos, sentiu isso no bolso. Depois de trabalhar 26 anos num grande escritório de advocacia em São Paulo, ela foi dispensada em outubro do ano passado, cinco meses após ter se aposentado. Hoje, cumpre jornada que supera 60 horas semanais e, mesmo assim, não conseguiu igualar o salário.

Além do emprego de secretária numa empresa de relações públicas, onde ganha R$ 1.500 por mês, Aparecida trabalha, à noite, na cantina de uma escola municipal, da qual tem a concessão. Seu salário principal, mais o rendimento da cantina e os R$ 1.300 que recebe de aposentadoria, somam R$ 3.300. No escritório de advocacia, a secretária ganhava R$ 3.500.

¿A gente tem de se desdobrar para tentar manter o padrão de vida¿, diz Aparecida, que é casada e mãe de dois filhos em idade escolar.

Para Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os trabalhadores são obrigados a montar estratégias de ocupação para ter uma renda que atenda às suas necessidades básicas, dado os baixos salários pagos hoje no mercado.

Solteiro, o oftalmologista e médico do trabalho Carlos Alberto Grandini Izzo, de 50 anos, exerce três atividades com as quais consegue compor uma renda bruta de quase R$ 9 mil.

Na parte da manhã, ele cumpre jornada de quatro horas no departamento de medicina ocupacional de uma empresa de energia elétrica. No período da tarde, dá expediente de mais quatro horas no Centro de Referência ao Trabalhador, da Prefeitura de São Paulo. Além disso, Izzo ainda atende pacientes particulares em seu consultório de oftalmologia até as 20h. ¿Precisa gostar muito da profissão para agüentar esse ritmo sem ficar louco¿, diz o médico.