Título: Convergência tecnológica tromba com legislação anacrônica do País
Autor: Ramos, Dhéa
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2007, Economia, p. B7

A entrada das empresas de telefonia no monopolizado mercado da televisão brasileira e a chegada da TV digital ao Brasil, prevista para dezembro, traz à tona um imbróglio que o governo federal, parlamentares e radiodifusores empenham-se em fingir que não existe: a defasagem e a dispersão das leis que regem as telecomunicações no país. Pior: na legislação existente, o Brasil é um dos raros países a fazer distinção entre radiodifusão e telecomunicações. Esta postura põe a regulação brasileira de costas para um futuro já transformado em presente, chamado ¿convergência tecnológica¿.

Com esse cenário, especialistas ouvidos pelo Estado dizem que, diante dos pedidos das teles para explorar serviços de televisão, como fizeram a Telefônica e a Telemar, é hora de apressar a elaboração e promulgação de uma Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa. ¿O ambiente hoje é outro¿, diz Israel Bayma, engenheiro eletrônico e pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). ¿A tecnologia avançou a tal ponto que, se o poder público não fizer (a lei geral), o mercado vai se encarregar de fazer.¿ Assessor da Casa Civil entre 2005 e 2006, ele elaborou, quando estava no governo, um pré-projeto da Lei Geral de Comunicação que, à semelhança das outras quatro vezes anteriores, nunca chegou a ser discutido.

Num cenário em que até a internet já oferece canais de televisão - o Joost, desenvolvido pelos mesmos criadores do serviço de telefonia pela internet Skype - e em que as telefônicas aprimoram-se na oferta dos pacotes convergentes (telefonia fixa e móvel, internet de banda larga e TV por assinatura, o chamado triple play), a legislação brasileira sobre telecomunicações é anacrônica.

Para regular todo esse aparato tecnológico, o Brasil possui um Código de Telecomunicações da década de 60 (Lei 4.117/62), editado pelo presidente João Goulart. Uma época em que as TVs ainda eram em preto e branco e a grande novidade era o videoteipe.

¿A sociedade está desprotegida, porque as leis estão multiplicadas desnecessariamente, quando não, ultrapassadas. E não há a instituição de Estado que regule esse setor, que estabeleça as regras, que fiscalize e trabalhe essas questões de regulação¿, diz o professor Murilo César Ramos, da Universidade de Brasília (UnB), um estudioso das políticas públicas do setor de telecomunicações.

Essa lei de 1962 - alterada por um Decreto-Lei de 1967 - é a espinha dorsal de um setor que possui em torno de 70 regulamentos em vigor, entre decretos, portarias e normas. ¿Para a engenharia, radiodifusão é telecomunicações, sendo esta um sentido mais amplo¿, explica Israel Bayma. ¿Num cenário de convergência, a radiodifusão se confundirá com as redes de telecomunicações ao ponto de integrarem redes únicas de transmissão de dados.¿

Além da fragmentação legislativa, a dispersão dos órgãos de controle também atrapalha. Enquanto a Anatel controla as teles, gerencia o espectro radioelétrico e administra a TV paga, o Ministério das Comunicações regula a radiodifusão aberta e comunitária. Setores da Casa Civil e do Ministério da Justiça - classificação indicativa - também têm ingerência na área. Até o Ministério da Cultura se envolve no setor.

Há meses, o ministro Gilberto Gil vem organizando o I Fórum Nacional de TVs Públicas, com a ajuda de setores da Casa Civil e da Secretaria Geral da Presidência. Gil foi atropelado, no mês passado, pelo anúncio feito pelo ministro Hélio Costa (Comunicações) de que o governo iria montar uma Rede Nacional de Televisão Pública, uma espécie de TV do Executivo. Faltou comunicação entre os ministros? ¿Esse é o pior ambiente que uma sociedade pode ter. Porque no meio dessa irracionalidade normativa, vai sempre predominar a lei dos mais fortes¿, diz Murilo Ramos.

Historicamente, a contar da gestão do ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros e incluindo a frustrada tentativa da Casa Civil no governo Lula, houve cinco tentativas de elaboração de uma Lei Geral de Comunicação de Massa. Todas acabaram engavetadas, depois de esbarrar - segundo pesquisadores do assunto - na resistência dos radiodifusores, que não estão interessados em se submeter a algum regulamento novo ou a um órgão com efetivo poder de fiscalização.

TELES E TVS

Do ponto de vista do interesse público, para Bayma, a entrada das teles no mercado das TVs pagas é positiva. ¿Na radiodifusão, há uma concentração muito grande da propriedade, há verdadeiros monopólios. Por isso, é salutar ter outros prestadores de serviços.¿ Ele exemplifica recorrendo ao Distrito Federal, onde para 2 milhões de habitantes, há apenas uma operadora de TV a cabo: a Net, do grupo Globo. As outras operadoras de TV paga que atuam na região transmitem os sinais por satélite ou MMDS.

Teles e redes de TV enfrentam-se em um ambiente de negócios milionários: enquanto as telefônicas movimentaram receita estimada em R$ 100 bilhões em 2006, no mesmo ano as e TV arrecadaram cerca de R$ 19 bilhões.

Segundo Murilo Ramos, se mais telespectadores de alto e médio poder aquisitivo migrarem da TV aberta para a TV paga, ficará comprometida a qualidade da audiência ao alcance dos anunciantes. ¿A TV aberta vive de vender audiência aos anunciantes. Se, de repente, ela começa a ter telespectadores só de médio e baixo poder aquisitivo, isso pode mexer com a receita. Por isso, ela precisa segurar o avanço da TV paga. A própria Globo não tem interesse que a Net cresça muito rápido¿, diz.

As TVs por assinatura, contudo, devem reagir à decisão da Anatel. A Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) já se pronunciou, dizendo que a entrada das teles viola a Constituição e compromete o equilíbrio competitivo do setor. A associação considera ilegal a operadora explorar o serviço de TV na mesma área em que presta o de telefonia. Mas para atuar em outro Estado, não haveria impedimento.