Título: Teste para o Supremo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2007, Notas e Informações, p. A3
Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) confessou, há algum tempo, que a mais alta Corte de Justiça do País, cuja função precípua é a de dizer o Direito e dirimir conflitos de interpretação no âmbito constitucional, não está aparelhada para o exercício do processo penal nem para procedimentos de natureza investigatória. O problema é que o instituto do ¿foro privilegiado¿ obriga o Supremo a julgar feitos mesmo que em relação a estes não tenha a melhor aptidão de juízo.
Pela primeira vez, quarta-feira, o STF abriu ação penal contra acusados de envolvimento no famigerado mensalão - sistema de compra de apoio parlamentar ou de adesão partidária, apontado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, investigado por CPIs e denunciado pelo procurador-geral da República, Antonio Fernandes de Souza. Esse primeiro processo, envolvendo 11 acusados - entre os quais o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro Delúbio Soares, o empresário Marcos Valério, sua mulher Renilda Santiago e dirigentes do BMG -, havia sido aberto junto à Justiça Federal em Minas Gerais, onde tramitou até o final de 2006. Como José Genoino se elegeu deputado federal, cargo que lhe dá direito a julgamento no foro privilegiado do Supremo, seus réus companheiros, como que por osmose, adquirem o mesmo privilégio - o que já é um atentado à lógica.
Curiosa, aliás, foi a observação do deputado Genoino: ¿Foram os advogados que pediram que a ação, que estranhamente foi aberta na véspera da minha diplomação em dezembro, subisse para o STF.¿ Ora, o deputado aí confessou sua aposta no privilégio do juízo e criticou o Ministério Público (MP) por ter tentado uma estratégia que contornasse esse privilégio. Não seria mais ¿estranho¿ que o MP esperasse o acusado tornar-se deputado para escapar do julgamento comum aos cidadãos? De qualquer forma, o ministro do Supremo que é relator dos feitos atinentes ao mensalão, Joaquim Barbosa, ratificou e deu continuidade ao processo instaurado pela Justiça Federal em Minas Gerais. Os réus são acusados de crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira e de falsidade ideológica praticados na concessão de dois empréstimos, pelo BMG ao PT, nos valores de R$ 3 milhões e de R$ 2,4 milhões. Caracterizaram os delitos, segundo o Ministério Público, a situação econômico-financeira dos tomadores, incompatível com os valores, e as garantias apresentadas, que eram insuficientes.
O ministro Barbosa também assegurou que até o final de junho o plenário do STF deverá pronunciar-se sobre o acatamento ou não do processo principal do mensalão, aquele em que o procurador-geral da República denunciou 40 participantes de uma ¿sofisticada organização criminosa¿. Salta aos olhos e aos sentimentos dos brasileiros a grande expectativa em torno dessa decisão do Supremo, visto que a absolvição em série no Conselho de Ética e no plenário - uma grande pizza ao gosto dos mensaleiros - reduziu a esperança de punibilidade à Justiça, pois nas democracias não se cogita de absolvição pelas urnas.
Durante meses a fio a sociedade brasileira assistiu, com estarrecimento, pelas comissões parlamentares de inquérito e conselhos de Ética do Legislativo Federal, ao desfile das mais cabeludas falcatruas, das bandalheiras praticadas em diversos níveis e esferas de Poder Público, comprovadas por testemunhos e por documentos comprometedores. Mas vieram as eleições, alguns trânsfugas - que haviam renunciado para escapar da cassação e suspensão dos direitos políticos - foram eleitos e voltaram, tranqüilamente, à cena do crime, ou seja, ao Parlamento. Como todo esse trabalho resultou praticamente em nada, no tocante à responsabilização e punição dos culpados, a última esperança que restou aos cidadãos prestantes foi a da atuação da Justiça.
O STF passará, perante a sociedade, por um grande teste. Se não se desincumbir a contento da importantíssima missão - seja por excesso de carga de trabalho de seus ministros, seja por desaparelhamento da Corte para essa função ou por que outros motivos possa invocar -, será considerado, pela opinião pública, uma instância de impunidade. Nessa hipótese teriam os legisladores brasileiros a responsabilidade de modificar inteiramente as regras atinentes ao ¿foro privilegiado¿, senão de eliminá-lo de vez do ordenamento jurídico, em prol do urgente combate à crônica impunidade que, desgraçadamente, tem assolado o País.