Título: Quando a polícia é eficiente
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2007, Notas e Informações, p. A3

O sucesso da Operação Hurricane, que foi realizada pela Polícia Federal - com a prisão de advogados, delegados, policiais civis, um juiz trabalhista e dois desembargadores federais que negociavam a venda de liminares e sentenças em favor de bicheiros, fornecedores de máquinas de caça-níqueis e proprietários de casas de bingo no Rio de Janeiro -, estimulou a polícia paulista a lançar uma ofensiva contra o jogo. Na primeira operação, foram apreendidas cerca de 7 mil máquinas caça-níqueis em um depósito na Via Anchieta. A polícia vai investigar a legalidade da importação desses equipamentos. A segunda operação resultou na apreensão de 1.133 máquinas em 250 bares, padarias e casas lotéricas na capital. Os equipamentos pertencem a cerca de 40 grupos de exploradores e a iniciativa, coordenada pelo Departamento de Polícia Judiciária, permitiu o mapeamento da cúpula do jogo na cidade.

Estima-se que os jogos de azar em São Paulo sejam controlados por cerca de 100 quadrilhas e que muitas delas, a exemplo do que ocorre no Rio de Janeiro, tenham cooptado e corrompido servidores de diferentes órgãos do poder público estadual. Há dez anos foi registrada a primeira distribuição em massa, em todo o Estado, de máquinas caça-níqueis. Desde então, uma das justificativas apresentadas pela cúpula da polícia estadual para deixar de combater os jogos de azar era a de que a maioria dos comerciantes envolvidos no esquema dispunha de liminares expedidas por juízes federais, autorizando a posse das máquinas. O argumento caiu após o sucesso da Operação Hurricane. Outra justificativa era de que a polícia também não teria infra-estrutura nem agentes em número suficiente para retirar, armazenar e periciar os caça-níqueis.

A estratégia da polícia estadual é identificar os responsáveis pela importação de peças e pela montagem das máquinas e ¿causar incômodo¿ na outra ponta da linha, lacrando os caça-níqueis nos bares, padarias, casas lotéricas e bingos e deixando os proprietários dos estabelecimentos como fiéis depositários, até a realização da perícia e a conclusão do inquérito. A polícia também pretende averiguar a validade de cada liminar apresentada pelos proprietários e avaliar o desempenho dos policiais que atuam na área em que os equipamentos estão instalados.

Os laudos que a polícia científica estadual fará sobre os caça-níqueis serão simplificados - passando de 14 itens para somente 5 itens -, com o objetivo de simplificar a ação dos investigadores. Uma das preocupações dos peritos é verificar se os caça-níqueis estão programados para impedir os jogadores de ganhar, o que configura crime de estelionato. Outra preocupação é identificar como os componentes eletrônicos ingressaram no País.

Os inquéritos devem servir de base para a apresentação de queixa-crime por contravenção, contrabando e formação de quadrilha contra os donos dos estabelecimentos e contra quem colocou as máquinas no local. Muitos proprietários de bares, padarias e casas lotéricas alegam que foram obrigados, sob ameaça de morte, a instalar os caça-níqueis. Mas, até agora, nada foi comprovado. O fato é que a exploração desse tipo de jogo se tornou tão rentável que, nos últimos tempos, as quadrilhas que controlam a atividade no Rio de Janeiro passaram a tentar expandir suas atividades para São Paulo. ¿Sabemos que esse pessoal (a quadrilha que foi presa pela Operação Hurricane) estava entrando na capital, o que poderia causar uma guerra com mortes¿, afirma o delegado Aldo Galeano Júnior, do Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap).

As bem-sucedidas iniciativas da Polícia Federal e da polícia paulista no combate à exploração dos jogos de azar mostram que, quando há determinação política e uso adequado dos serviços de inteligência, o crime organizado pode ser combatido com sucesso. A detenção da cúpula da máfia do jogo no Rio de Janeiro e a apreensão das máquinas caça-níqueis em São Paulo configuram uma auspiciosa demonstração de competência profissional. Vamos esperar que os órgãos policiais revelem a mesma competência em outras áreas de atuação.