Título: Mais gastos e mais impostos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2007, Notas e Informações, p. A3

Podem apostar: há pelo menos duas previsões absolutamente seguras no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Primeira: o governo federal continuará gastando fartamente. Segunda: para sustentar a gastança, o contribuinte vai ter de suportar uma carga tributária cada vez maior. É essa a mensagem mais importante do projeto enviado na semana passada ao Congresso. O documento define as condições básicas para o Orçamento-Geral da União do próximo ano e orientações para os três anos seguintes, até o fim do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A economia brasileira crescerá, segundo os cálculos mencionados no projeto, 4,5% em 2007 e 5% ao ano entre 2008 e 2010. A meta do governo se converte, nesse documento, em previsão. Nenhuma instituição especializada tem divulgado estimativas tão otimistas. Quanto a esse ponto, pelo menos, o realismo das projeções é duvidoso.

O segundo pressuposto se refere à inflação: 4,5% ao ano, sem variação, até o fim do período. É uma espécie de confissão. A meta de inflação é fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão do Executivo subordinado ao Ministério da Fazenda. E o ministro da Fazenda, com aval do presidente, que enviou a mensagem ao Congresso, pretende manter intocada a meta de inflação.

Economistas têm sugerido a adoção de metas mais ambiciosas nos próximos anos, para maior segurança. Afinal, a inflação brasileira, embora baixa pelos padrões históricos do País, ainda é alta em comparação com as taxas observadas em muitas economias emergentes.

Mas o governo ou está satisfeito com os 4,5% ou julga incompatível com o crescimento econômico a busca de uma taxa menor. De forma sub-reptícia, prevalece a idéia da inflação como necessária ao crescimento. Chile, Peru, Tunísia, Malásia e China têm crescido mais que o Brasil com inflação menor.

Segundo as contas do Ministério do Planejamento, responsável pela preparação do projeto, a receita primária do governo federal corresponderá em 2008 a 23,76% do Produto Interno Bruto (PIB), subirá para 24,02% em 2009 e chegará a 24,17% em 2010. Em outras palavras, o governo extrairá da sociedade uma parcela crescente da renda produzida.

A CPMF continuará a ser cobrada com base na alíquota de 0,38%. A idéia de redução gradual, pelo menos até o fim do mandato, está descartada.

A despesa primária - isto é, não financeira - do governo federal continuará a aumentar, sustentada pela tributação crescente. Passará de 21,56% do PIB em 2008 para 21,82% no ano seguinte e 21,97% em 2010. A meta de superávit primário, necessária para o pagamento de juros, será mantida em 3,8% para todo o setor público (União, Estados, municípios e estatais). A parcela do governo central será constante - 2,2% do PIB em cada ano.

A redução de 4,25%, meta observada nos últimos anos, para 3,8% é justificada pela recente reavaliação do PIB. Medido em reais, o valor em princípio não se altera. Na prática, o resultado será diferente, pois o governo deverá usar o conceito de Projeto Piloto de Investimento (PPI) para classificar parte dos gastos de capital. Esse conceito foi desenvolvido em negociações de vários países com o FMI. A idéia original era descontar do superávit primário investimentos de retorno financeiro rápido.

A expressão ¿piloto¿ foi adotada por se tratar de uma experiência destinada a informar uma possível mudança nos critérios adotados em programas de ajuste. O governo brasileiro resolveu encampar o conceito não para uma experiência, mas como recurso de escrituração. Na prática, será uma forma de gastar mais, conservando a aparência de austeridade fiscal.

A maneira realmente segura de elevar o investimento sem comprometer as contas públicas é a redução do gasto corrente. Mas o governo não mostra a mínima disposição de enfrentar as dificuldades políticas de um ajuste para valer. Apesar de tudo, a dívida líquida federal deverá declinar como porcentagem do PIB, segundo as projeções. Mas isso dependerá de uma condição incerta - o crescimento econômico de no mínimo 5% ao ano - ou do aumento da carga tributária - esta, sim, uma evolução facilmente previsível.