Título: Extremista Le Pen volta a assombrar seus adversários
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2007, Internacional, p. A14

Já se passaram cinco anos da noite em que Jean-Marie Le Pen, candidato à presidência da França pela Frente Nacional, de extrema direita, discursou, em tom profético: 'É a primeira vez que vislumbro verdadeiramente a possibilidade de chegar à vitória que esperamos há tanto tempo.' Le Pen não venceu a eleição, mas o fato de ele ter conseguido deixar para trás Lionel Jospin - o candidato do Partido Socialista favorito das pesquisas -, para enfrentar o presidente Jacques Chirac no segundo turno, volta a preocupar.

Os adversários são outros e os índices nas pesquisas de opinião, também. Segundo o instituto BVA, o ex-ministro Nicolas Sarkozy, da União por um Movimento Popular (UMP, direita), tinha ontem 29% da preferência do eleitorado. Em segundo lugar estava a deputada Ségolène Royal (do Partido Socialista), com 25%. Le Pen aparece só em quarto, com 13%. Nem por isso, entre membros das coordenações de campanha, a preocupação deixa de existir. 'Embora não acreditemos em seu sucesso, Le Pen é sempre um temor', disse ontem ao Estado Najat Belkacem, porta-voz do PS.

A explicação está na incapacidade dos institutos de pesquisa franceses de captar o voto na extrema direita. Dois são os fatores da ineficiência: na França, pesquisas de opinião são feitas por telefone, para números fixos. Acontece que mais de 20% da população, em geral nas camadas mais pobres - nas quais Le Pen ecoa mais forte -, prefere usar apenas celulares. Segundo, porque se estima que 50% dos eleitores da FN não admitem que apóiam o partido.

'Entre os grandes fatores de incerteza na eleição de 2007 está o resultado de Le Pen', admite Emilie Bono, responsável pelos estudos políticos do instituto BVA, de Bologne-Billancourt. Cientistas políticos reverberam a preocupação. Yves Mény, diretor do Centro de Pesquisas Robert Schumann, acredita que a histórica subavaliação da extrema direita pelas sondagens se repetirá: 'Le Pen pode alcançar uma votação até mais elevada do que em 2002', quando o extremista obteve 17% dos votos.

O fenômeno Le Pen ainda causa temor porque a conjuntura econômica que lhe favoreceu cinco anos atrás está inalterada. Como em 2002, o desemprego permanece elevado (9%), indústrias seguem migrando para o Leste da Europa e a pobreza e a desigualdade fomentam a violência nas periferias. A estagnação econômica, somada ao fracasso de sucessivos governos de direita e de esquerda incapazes de fazer as reformas necessárias para fazer a França avançar, tornou o discurso contra a imigração, entoado desde os anos 80 por Le Pen, uma explicação vista como plausível aos olhos dos franceses.

'Há pessoas vítimas da globalização e jovens que não vencem na procura do primeiro emprego. Como já o foram os comunistas, Le Pen é hoje um importante voto de protesto', explica Jean-Yves Camus, cientista político e autoridade em extrema direita.

Hoje, só dois fatores fazem do quadro atual menos propício à Frente Nacional. Em 2002, os líderes das pesquisas, Chirac e Jospin, eram velhos conhecidos dos franceses. Integravam o mesmo governo - o primeiro como presidente e o segundo como primeiro-ministro - e não transmitiam a imagem de mudança.

Em 2007, Sarkozy e Ségolène, ambos mais jovens que seus predecessores, pregam a mudança, ou a 'ruptura tranqüila', termo forjado por Sarkozy, mas reivindicado ora por um, ora por outro.

O segundo fator é o alto nível de popularidade de Sarkozy e Ségolène, que oscila entre 25% e 30%. Daí algum ceticismo em relação às chances de reedição do fenômeno no primeiro turno, no domingo.

Le Pen não se incomoda. Em entrevista recente ao Le Monde, o líder de extrema direita afirmou: 'Há um fenômeno 'tsunâmico' de rejeição ao sistema que faz com que, tanto à esquerda como à direita, as pessoas afirmem mais uma vez 'eu votarei Le Pen''. O medo que paira é que suas profecias se realizem.

ISSO É LE PEN

Imigrantes: 'Estamos sendo invadidos por uma onda de imigração do Terceiro Mundo. Imigrantes ilegais deveriam ser mandados de trem para a Grã-Bretanha.'

Aborto: 'O corpo pertence à vida e, em parte, à nação.'

HIV: 'A aids é um tipo de lepra.'

Holocausto: 'Acho que foi um detalhe da 2ª Guerra Mundial.'

2ª Guerra Mundial: 'Na França, a ocupação alemã não foi desumana.'

(SERVIÇO) Locais de votação no Brasil (dia 21, das 8 às 18h): São Paulo - Av. Paulista, 1.842; Curitiba - Av. Candido de Abreu, 776.