Título: 'É o termômetro, estúpido!'
Autor: Panzarini, Clóvis
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2007, Economia, p. B2

O marqueteiro político americano James Carville, na corrida presidencial à Casa Branca em 1992, indagado sobre qual seria o trunfo de Bill Clinton para vencer a eleição, proferiu a famosa frase: 'É a economia, estúpido!' A recente e bem-feita revisão metodológica da estimativa das contas nacionais, levada a efeito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indica que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é 11% maior do que apontava a estimativa anterior. Sendo o PIB o valor da produção de bens e serviços de uso final colocados à disposição da sociedade para consumo ou investimento, constitui-se em variável relevante para a análise econômica. Além de permitir, quando há homogeneidade metodológica, comparações intertemporais e interespaciais, o PIB é referencial de cálculo de importantes indicadores econômicos como carga tributária, taxa de investimento, taxa de poupança, superávit primário, relação dívida-PIB, etc. Afora os aspectos distributivos, o PIB per capita é usado também como medida ex post do bem-estar da sociedade, pois sua magnitude é idêntica à da renda interna bruta per capita. Ele é, pois, o 'termômetro' da economia, a 'régua' do bem-estar social.

O governo está festejando o novo resultado, pois descobriu que somos 11% mais felizes do que apontara o cálculo anterior. No calor da celebração da 'nova' economia brasileira, um ministro anunciou o início da era do crescimento sustentado, enquanto outro sugeriu que devemos desfrutar o novo 'Pibão', assim mesmo, no aumentativo.

Os novos cálculos mostram aumento de quase 0,6 ponto porcentual na taxa média anual de crescimento no período Lula, mas quase metade dele se deve à incorporação da Cofins ao preço dos bens e serviços. O PIB, quando calculado a preços de mercado, deve incluir o valor dos impostos indiretos, que incidem sobre os produtos, e excluir os subsídios. Entretanto, a Cofins, que por não ser formalmente imposto indireto, mas sim uma contribuição social, na metodologia anterior não era incluída no PIB, e agora passou a sê-lo, o que turbinou o seu valor.

Como no governo atual a arrecadação da Cofins aumentou escandalosamente por causa da elevação da alíquota cumulativa de 3% para a não-cumulativa de 7,6%, a sua incorporação no valor do PIB impactou mais fortemente os anos mais recentes. A nova contabilização dos tributos explica, portanto, grande parte do aumento do PIB. Caso fosse nele incluída também a arrecadação do PIS e da CPMF, que formalmente são contribuições, mas conceitualmente podem ser considerados impostos indiretos, chegaríamos a um 'Pibão' ainda maior. Também modificações metodológicas no consumo do governo empurraram para cima o valor do PIB.

Os novos dados mostram que o consumo das famílias aumentou de 60,9% para 63% do PIB, o que é explicado pelo aumento real do salário mínimo, pela oferta abundante de crédito ao consumidor e também pela política de transferência de renda do governo, pois quando se retira, por meio dos impostos, dinheiro da sociedade como um todo - que poupa parte da renda - e se distribui a pessoas extremamente pobres, que consomem a sua totalidade, necessariamente a poupança total diminui e o consumo aumenta.

Como os investimentos não aumentaram, os novos números mostram que a taxa de investimento (relação investimento-PIB) caiu de 20,6% para 16,8%, o que evidencia aumento da produtividade do capital. Porém, sendo verdadeira a assertiva, aceita pela maioria dos economistas, de que a taxa de investimento deve crescer cinco pontos porcentuais do PIB para que as metas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sejam alcançadas, agora, em termos absolutos, essa carência é 11% maior. De outro lado, a carga tributária (relação arrecadação-PIB) foi reduzida de 38,4% para 34,2% e já houve sugestão de que essa 'redução' da carga abre espaço para mais aumento de impostos!

A verdade é que os novos números, apesar de melhores do que os anteriores, não desmentem o fato de que a economia brasileira continua claudicando. Usando jargão futebolístico, tão em moda nos dias que correm, podemos dizer que não somos mais o 'vice-lanterna' do crescimento econômico na América Latina: deixamos agora para trás, além do Haiti, o Paraguai e El Salvador, mas continuamos na 'zona de rebaixamento' e, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), continuamos na 'lanterna' entre os países emergentes, com crescimento médio anual de 2,9% nos últimos 15 anos. Também é verdade que esse novo PIB, inchado em boa parte pela obesidade do governo, não traz um centavo adicional para o bolso dos brasileiros, assim como não alivia em nada o insuportável peso dos impostos. A febre continua a mesma. O que mudou foi o termômetro.