Título: O 'bagrão' de Lula
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2007, Economia, p. B2

E então os bagres caíram no colo do presidente Lula. Não os que ele cria na Granja do Torto, mas os que vivem naturalmente, digamos assim, nos rios do Xingu e que estão impedindo a concessão de licenças ambientais para hidrelétricas incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

'Um bagrão' - assim o presidente qualificou o problema que foi parar no seu gabinete, durante reunião do Conselho Político, na última quinta-feira. Trata-se de um caso antigo. Esta coluna, aliás, tratou do assunto em 4 de dezembro, sob o título Quanto custa um bagre?

Escrevíamos: há seis hidrelétricas planejadas para os rios que correm para o Parque do Xingu e que são contestadas pelos índios. Um dos argumentos dos índios sustenta que um dos projetos pode ameaçar os bagres, o que, para eles, inviabiliza a obra. Estão no seu direito.

Mas a decisão não interessa só a eles. Há toda uma outra população cujo progresso e bem-estar dependem da oferta de energia. Sem as hidrelétricas, a energia será escassa, impedindo muitas atividades econômicas, e mais cara. É essa conta que não se faz. Se a pergunta é 'os índios têm direito a seus bagres?', a resposta é obviamente positiva. Mas a pergunta não é essa. É outra: para a região toda, vale a pena trocar os bagres por energia escassa e cara? Ou ainda: quanto custará cada bagre?

Na reunião do Conselho Político, o presidente Lula disse que não era possível não existir uma solução para os bagres. Acrescentou: 'Eu crio bagres aqui.'

Pois é. Fica mais barato criar os bagres no palácio presidencial e despachá-los para os índios no avião presidencial do que abandonar o projeto da hidrelétrica.

Mas por que as soluções não saem? As licenças para as duas usinas do Rio Madeira - cruciais para o fornecimento de energia a partir de 2010 - foram prometidas há vários meses, mas o Ibama não parece ter pressa. Comenta-se mesmo que o pessoal não mostrou a menor preocupação com as queixas de Lula.

Ocorre que a legislação, a cultura e a estrutura dos órgãos ambientais bloqueiam as soluções. Do jeito que estão as coisas, a tendência dominante é a de se negar licença para qualquer projeto que tenha algum impacto ambiental, quer seja para a vegetação, quer para os bagres.

Não se faz a conta custo/benefício. Todo projeto terá impacto ambiental. A questão é medir esse impacto e comparar com os benefícios econômicos e sociais do projeto. O valor dos benefícios pode perfeitamente justificar a perda ambiental, caso em que os prejudicados têm que ser indenizados e/ou compensados de alguma forma razoável.

Mas os órgãos ambientais, responsáveis pelas licenças, não foram constituídos para fazer a conta custo/benefício. Concentram-se no impacto ambiental e aí as coisas não passam.

Em resumo, o presidente Lula pode reclamar do 'bagrão', mas no sistema atual vai continuar reclamando.

Proposta Kelman - Daí a importância do anteprojeto de lei apresentado pelo diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, Jerson Kelman, modificando o sistema de licenciamento para projetos de energia elétrica.

Resumindo, a idéia é atribuir ao Conselho de Defesa Nacional, órgão que assessora o presidente da República, a definição dos projetos considerados de interesse estratégico nacional. Esses projetos teriam estudos de impacto ambiental feitos só pelo Ibama (excluindo-se os órgãos estaduais e municipais) e, assim instruídos, subiriam à decisão do presidente da República. Ele, então, poderia baixar decreto incluindo projetos no programa nacional e dispensando-os de licença ambiental, entendendo-se que os estudos do Ibama serviriam para orientar eventuais compensações.

A idéia básica, diz Kelman, é 'evitar que projetos que tragam benefícios para a maioria da população possam ser bloqueados pela ação de minorias' - como é exatamente o caso dos bagres dos índios do Xingu.

Isso sim pode ser uma solução para o 'bagrão'.

Aeroportos privados - Leitores corrigem, esclarecem e acrescentam informações a respeito da coluna da semana passada, Aeroportos privados, qual o problema?

Frank Sarnighausen, de São Carlos (SP), informa que o Aeroporto de Lima (Jorge Chávez), no Peru, foi privatizado, totalmente reformado, aumentado e modernizado, sendo hoje um dos melhores terminais da região. E será construído outro aeroporto. Vencedora da licitação: a alemã Frankfurt Airport.

Roberto da Rocha Azevedo e Julian White lembram que Londres tem cinco, e não três, aeroportos. Os cinco dividem vôos locais e internacionais, com companhias de tarifas mais baratas operando fora de Heathrow.

White observa que Heathrow, alvo de tantas reclamações de ingleses, não é assim tão ruim. Diz que um novo terminal vai acrescentar 10 milhões de passageiros por ano (pouco menos do que o total de Cumbica) e, aparentemente, será ultramoderno. O prédio, visto a distância, parece enorme. A maioria dos passageiros ainda prefere Heathrow, que pode não ser maravilhoso, mas é muitíssimo melhor do que Cumbica, por exemplo.

Na opinião de White, 'aeroporto ruim mesmo, dos piores do mundo, é o Charles de Gaulle, de Paris, estatal. Entre muitos problemas, para ir de um terminal a outro é necessário tomar o ônibus (navette) por fora, o que pode levar até 40 minutos'.

Mas muitos viajantes dizem que nenhum supera os aeroportos da Rússia em ruindade. São estatais.