Título: País investe e ganha com a Venezuela
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2007, Economia, p. B6

As cifras da balança comercial e os negócios das grandes companhias brasileiras na Venezuela estão na raiz da paciência e tolerância do governo Luiz Inácio Lula da Silva com os desatinos de Hugo Chávez no seu próprio país e na América do Sul. O Palácio do Planalto e a cúpula do Itamaraty não escondem os interesses do Brasil na expansão econômica venezuelana e nas suas reservas de gás e de petróleo. O governo se mostra atento, especialmente, para evitar um perigoso isolamento político de Chávez na região.

Em 2006, empresas brasileiras exportaram US$ 3,555 bilhões para a Venezuela - valor 60,4% maior que o do ano anterior. Entre outras, a Petrobrás planejou a injeção de mais US$ 2,8 bilhões em novos projetos no país, a Odebrecht vislumbrou sua participação pelo menos em três grandes obras, a custo total de US$ 3,5 bilhões, e a Companhia Vale do Rio Doce deu os primeiros passos para a pesquisa mineral, com a estatal Corporação Venezuelana de Guayana, e a exploração de carvão no Estado de Zúlia.

Na segunda-feira da semana passada, os presidentes Lula e Chávez puseram a pedra fundamental de uma parceria de US$ 3 bilhões entre a Braskem, o braço petroquímico do Grupo Odebrecht, e a estatal venezuelana Pequiven. O projeto inclui a construção de duas fábricas de resinas termoplásticas no Complexo Petroquímico de San José, no norte do país, que começam a operar em 2009, tendo o gás da faixa do Caribe como matéria-prima.

Com 28% do Produto Interno Bruto (PIB) venezuelano, o petróleo e o gás estão na base do interesse brasileiro. Em novembro passado, o presidente Lula subiu no palanque de Chávez - reeleito três semanas depois - e fez um discurso contra a imprensa e as oligarquias, em perfeita sintonia com as máximas do líder bolivariano.

Minutos antes, diante de uma multidão vestida de vermelho, ambos haviam inaugurado a Orinoquia, ponte rodoferroviária de 4 quilômetros sobre o Rio Orinoco, que custou US$ 1,2 bilhão. A obra foi construída pela Odebrecht e liga o Brasil com as reservas de gás e petróleo do norte da Venezuela.

Depois de 15 anos no país, passando por três governos, a Odebrecht prepara a construção da hidrelétrica de Tocoma, projeto de US$ 2,5 bilhões, também no Orinoco, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Boa parte da energia gerada será exportada para o Brasil.

A companhia mantém um projeto de irrigação no norte do país e já concluiu três linhas do metrô de Caracas - obras financiadas pelo Programa de Financiamento às Exportações (Proex). Poderá ainda levantar a terceira ponte sobre o Orinoco - projeto de US$ 1 bilhão, com apoio do Proex - e se mostra disposta a prestar serviços para construir o primeiro trecho do Gasoduto do Sul, que deverá transportar o gás do norte da Venezuela até Recife (PE).

'O aumento do preço do petróleo abriu oportunidades no setor de infra-estrutura na Venezuela, cujo crescimento é menor apenas do que na China, Índia e Rússia', afirma Roberto Dias, diretor de Relações Institucionais da Odebrecht.

O interesse estratégico do governo na Venezuela, entretanto, concentra-se especialmente na atuação da Petrobrás. No primeiro mandato de Lula, a estatal passou pelo processo de nacionalização de Chávez. Acabou por dividir sua estrutura de exploração e produção de petróleo na Venezuela em quatro novas empresas, todas com participação majoritária da Petróleos de Venezuela (PDVSA) - a Petrocariña, a Petrovenbras, a Petroritupana e a Petrowayu. Toda a produção é adquirida exclusivamente pela PDVSA, de quem a Petrobrás terá de ser sócia se quiser ampliar a atuação na Venezuela.

'Os negócios continuam rentáveis e atendem aos requisitos da Petrobrás de avaliação de risco do país e de retorno financeiro', afirmou uma fonte da companhia. 'Chávez é apenas um ponto na História. O Brasil tem uma infinidade de oportunidades em vista na Venezuela e não vai sair do país por causa de seu presidente', completou.

A Petrobrás tem vários objetivos na Venezuela, especialmente na área do gás. A companhia quer participar, em parceria com a PDVSA, da exploração de gás natural no Complexo Mariscal Sucre e em Altana (Delta do Orinoco) e de petróleo extrapesado em Carabobo (Faixa do Orinoco). No primeiro projeto, deverá injetar US$ 950 milhões; no segundo, US$ 80 milhões, e US$ 1,8 bilhão no terceiro. Esse último está casado com a construção, no Recife, da Refinaria Abreu e Lima - investimento de US$ 2,5 bilhões a US$ 2,8 bilhões da Petrobrás e da PDVSA, ainda no papel.

Na cúpula do Itamaraty, o somatório de contratos de exportação para a Venezuela impressiona tanto quanto os negócios locais das companhias brasileiras. Desde 2004, após dois anos de fortes quedas, as exportações brasileiras cresceram e aumentaram o déficit venezuelano no comércio bilateral. Saltaram de US$ 1,465 bilhão, naquele ano, para US$ 3,555 bilhões, em 2006.No primeiro bimestre de 2007, as vendas cresceram 37,9% em relação a igual período do ano passado.

Dos US$ 3,555 bilhões embarcados no ano passado, US$ 3,105 bilhões (87,3%) eram produtos manufaturados - telefones celulares, automóveis, tratores, peças e chassis de veículos, chapas e laminados de aço e de alumínio. Com cifra menos expressiva está a exportação de US$ 64,7 milhões em etanol entre janeiro e outubro, quando foi suspensa pelo governo Chávez. Na semana passada, o próprio Chávez engoliu seu discurso contra os biocombustíveis e anunciou a retomada das compras de álcool da Petrobrás, usado na mistura com a gasolina.