Título: O plebiscito no Equador
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2007, Notas e Informações, p. A3
Os defensores da convocação de uma assembléia constituinte no Equador - o presidente Rafael Correa à frente - afirmavam a seu favor que a população e os políticos não aceitam a norma constitucional vigente, que é violada todos os dias, por toda a gente. Por isso, a esmagadora maioria do eleitorado aprovou a convocação no plebiscito realizado no domingo, mesmo sem conhecer direito o estatuto da votação e, mais importante, os mecanismos de escolha dos futuros constituintes e de aprovação da nova Constituição.
Afinal, na barafunda institucional que é o Equador, o plebiscito não foi convocado pelas vias consagradas pela democracia. Primeiro, o presidente Correa, cujo partido não tem um único representante no Legislativo, tratou de afastar os deputados contrários ao pleito. Incumbiu-se disso o Superior Tribunal Eleitoral, cassando o mandato de 57 deputados. Depois, o presidente editou uma série de decretos, cada um com um dispositivo dedicado a um aspecto da ¿refundação¿. O resultado é que pelo menos 70% do eleitorado aprovou algo que não sabe o que é nem no que vai dar.
Os defensores da Constituinte tinham razão, em parte. A constituição e as instituições políticas que os equatorianos desprezam e rejeitam não são as atuais. O Equador já teve 20 constituições - fará a 21ª até o próximo ano - e nenhuma delas serviu para dar estabilidade ao país. A atual foi aprovada em 1998 e, de lá para cá, nenhum dos dez presidentes que precederam Rafael Correa terminou o mandato. Três deles foram derrubados depois de violentos tumultos, provocados por comunidades indígenas que, como as da Bolívia e do Peru, sentem uma compulsiva e atávica nostalgia dos tempos pré-colombianos.
Como se isso não bastasse, ¿no Equador, a cultura populista, a cultura autoritária, a cultura caudilhista estão fortemente enraizadas¿, como explica o ex-presidente Osvaldo Hurtado. Ou seja, se a população e os políticos não se submetem ao império da lei e vilipendiam as instituições, só lhes resta apelar para líderes mais ou menos carismáticos. E estes podem ser como Abdalá Bucaram, destituído por um Congresso que lhe passou um atestado de insanidade mental, ou como Rafael Correa, que três meses após a posse desfruta de um índice de popularidade de 70%.
O problema é que esse apoio não se baseia em nada mais sólido do que promessas de recuperação econômica e bem-estar social - que não podem ser cumpridas com os métodos administrativos em curso - e em ataques virulentos aos partidos de oposição e aos presidentes do passado - o que também não atrai investimentos nem enche barrigas. Na Bolívia, Evo Morales, eleito por uma frente de movimentos populares que lhe garantiu de início altíssimos índices de popularidade, já enfrenta a hostilidade desses mesmos movimentos, insatisfeitos e frustrados.
O presidente Rafael Correa está tentando corrigir os problemas institucionais do Equador com altas doses de desrespeito pelas instituições políticas. Também está tentando reverter condições econômicas adversas hostilizando a iniciativa privada e os bancos, aos quais ameaça com uma revisão da dívida externa que significa, em última análise, uma moratória. A nacionalização dos principais campos de petróleo do país já está dando resultados: o crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2007 foi equivalente à metade do verificado no último trimestre do ano passado. Uma constituição xenófoba e assistencialista pode completar a obra.
Por enquanto, Rafael Correa não aderiu incondicionalmente ao ¿socialismo do século 21¿ do coronel Hugo Chávez. O presidente venezuelano, é claro, quer ampliar sua área de influência. Já se ofereceu para refinar o petróleo do país - que exporta cru e importa derivados - e apadrinhou os planos do Equador de voltar para a Opep. Nem bem ficou sabendo dos resultados do plebiscito, Hugo Chávez chamou para si a paternidade do processo de ¿refundação¿ do Equador.
Mas Rafael Correa tem se mostrado muito menos chavista do que, por exemplo, Evo Morales. Afirmou, na segunda-feira, que jamais permitirá a ¿imposição de um modelo estrangeiro¿ no país. ¿O nosso projeto se chama Equador, não se chama Chávez nem tem nenhuma outra denominação.¿ Pelo menos isso.