Título: MST radicaliza 'abril vermelho' e invade até área do Exército
Autor: Arruda, Roldão e Tomazela, José Maria
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2007, Nacional, p. A4

O Movimento dos Sem-Terra (MST) intensificou ontem a ofensiva de invasões em todo o País, como parte do ¿abril vermelho¿ - a jornada marcada para lembrar o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, que completa hoje 11 anos, e chamar a atenção do governo para os conflitos no campo e a lentidão da reforma agrária. Além de invasões, atos públicos e marchas em dez Estados, cerca de 800 sem-terra ocuparam a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Brasília. Nem mesmo uma área do Exército em Santa Catarina foi poupada da ação dos sem-terra.

Os invasores da sede do Incra tomaram 9 dos 23 andares do prédio para reivindicar o assentamento de 1.800 famílias que estão acampadas no entorno do Distrito Federal e exigir a exoneração do superintendente regional do instituto, Renato Lordello. O grupo, que além do MST era integrado por militantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e do Movimento de Apoio ao Trabalhador Rural (MATR), só concordou em deixar o local após ser recebido pelo presidente do Incra, Ralf Hackbart. Ele disse que dentro de dez dias o governo definirá a ocupação do segundo escalão, mas não esclareceu se tal mudança atingirá ou não Lordello.

No Pontal do Paranapanema e na região da Alta Paulista, no extremo oeste de São Paulo, o MST mobilizou cerca de 550 militantes para invadir uma fazenda e quatro órgãos públicos, em ações quase simultâneas. Um grupo de 100 integrantes invadiu a Fazenda São Luiz, em Presidente Bernardes, no Pontal, e destruiu a plantação de cana-de-açúcar.

Na seqüência, 90 militantes invadiram a sede do Incra em Teodoro Sampaio e obrigaram os funcionários a deixar o prédio. ¿Vamos passar a noite aqui¿, disse o líder José Carlos Venzel. Outro grupo dirigiu-se à sede do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), na mesma cidade, e montou acampamento na entrada do edifício. O procedimento foi repetido no escritório do Itesp em Rosana. Já o Incra de Andradina foi invadido por 150 militantes.

Em Ribeirão Preto, 100 integrantes do MST acamparam diante do prédio da Justiça Federal, para pressionar o Judiciário a julgar ações referentes ao processo de desapropriação da Fazenda da Barra. O grupo levou colchões, fogões e comida para se instalar no local. ¿Estamos preparados para ficar aqui até um mês, se for preciso¿, afirmou Kelli Mafort, integrante da direção estadual do MST.

ÁREA MILITAR

Cerca de 500 famílias começaram ontem a desocupar uma área de 15 mil hectares pertencente ao Exército, entre os municípios de Papanduva, Três Barras e Canoinhas, norte de Santa Catarina. Invadida na manhã de domingo pelo MST, a área vem sendo reivindicada pelos sem-terra desde a década de 60.

Segundo relato do líder Lucídio Ravanello, os militares fizeram ameaças e até usaram o sistema de alto-falantes para intimidar os invasores. ¿Eles colocaram soldados de dez em dez metros e botaram cinco tanques a rodar em volta das barracas. Eu nunca tinha visto isso, nem em filme. Nós resolvemos sair em paz para evitar violência¿, disse.

No Espírito Santo, 40 famílias ocuparam uma área próxima à Fazenda Galho, no município de Guaçuí, sul do Estado, que alegam ser improdutiva. Os sem-terra exigem que a fazenda seja desapropriada para o assentamento de 50 famílias.

Em Pernambuco, mais duas invasões foram promovidas pelo MST - a da Fazenda Cajueiro Seco, em Paudalho, por cerca de 200 famílias, e a da Fazenda Rafael, em Ibimirim, por outras 200 famílias. Até ontem, 18 ocupações de terra haviam sido realizadas este mês em Pernambuco - 9 pelo MST e 9 pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf).

No Maranhão, os sem-terra ocuparam a ponte sobre o Rio Tocantins, no município de Estreito, em protesto contra a instalação de usina hidrelétrica. Segundo o MST, cerca de 8 mil camponeses e indígenas vão ser desalojados de suas terras por causa da obra. A mobilização na ponte reduziu o tráfego na BR-010, que liga Belém a Brasília. Os manifestantes prometem permanecer na área por tempo indeterminado. Ainda no Maranhão, cerca de 350 famílias ocuparam a Fazenda São Benedito, de 2.700 hectares, no município de Newton Belo.

Estado que foi palco do massacre de Eldorado dos Carajás, o Pará ganhou um acampamento conjunto do MST e da Via Campesina bem no centro de Belém. Os manifestantes exigem ¿soberania popular¿ na Amazônia.

Em Cuiabá (MT), 100 militantes realizaram um ato no centro da cidade, para protestar contra a lentidão da reforma agrária. Também montaram vigília diante do prédio da Justiça Federal, para cobrar a punição dos responsáveis pelo massacre de Eldorado dos Carajás.

Na Paraíba, cerca de 600 famílias ocuparam áreas do Vale do Piancó, no sertão do Estado. Cem delas acamparam em áreas próximas ao município de Piancó, enquanto outras 500 estão em Bonito de Santa Fé, na região de Cajazeiras. Protestam contra o avanço do agronegócio.

A marcha que o MST realiza na Bahia desde o início da semana passada chegou ontem a Salvador. Ao todo, cerca de 5 mil pessoas participam da caminhada, que percorreu 110 quilômetros entre Feira de Santana e a capital baiana, protestando contra a impunidade no campo e tentando pressionar o governo a apressar a reforma agrária.

DESOCUPAÇÃO

Cerca de 200 sem-terra que estavam desde quarta-feira na Granja Nenê, em Nova Santa Rita, a 30 quilômetros de Porto Alegre,desocuparam a área ontem. O grupo saiu pacificamente e entregou à Brigada Militar os facões e foices que havia usado na montagem do acampamento. A coordenação estadual do MST no Rio Grande do Sul anunciou uma série de manifestações para hoje. Não foram divulgados os locais dos atos públicos, que podem incluir marchas e até bloqueio do tráfego em algumas rodovias.