Título: Missão do Banco do Sul é novo foco de divergência entre sul-americanos
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2007, Economia, p. B5
O Brasil decidiu comprar uma briga com a Venezuela e o Equador sobre o futuro formato do Banco do Sul. As declarações diplomáticas deram lugar ontem a indicações claras de que Brasília não aceitará que essa instituição financeira seja orientada a conceder empréstimos para cobrir rombos fiscais dos países mais pobres da região.
Ao contrário, defenderá que o novo organismo seja o resultado da cooperação entre o Fonplata e a Corporação Andina de Fomento (CAF) e esteja orientado para o financiamento de obras físicas da integração sul-americana e, no máximo, para projetos de desenvolvimento econômico e social.
'Não vamos comer um prato feito. Queremos ir para a cozinha e participar da preparação desse prato', atacou ontem o assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia. 'Queremos participar dos debates. Merecemos a confiança dos países da região, sobretudo dos que estão envolvidos na criação do Banco do Sul, para sermos convocados para as etapas seguintes desse processo.'
Segundo o assessor, o governo brasileiro - e não o venezuelano - foi o primeiro a defender a necessidade de a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa) discutir questões de ordem financeira ao lado das propostas de integração de infra-estrutura e de energia e dos temas sociais. Destacou, entretanto, que ainda há uma tarefa imensa a ser cumprida, como a discussão da finalidade do Banco do Sul, a possível operação do comércio regional em moedas nacionais, a necessidade de avanço nos Convênios de Crédito Recíprocos (CCRs) e o fortalecimento dos fundos de investimento existentes na região.
Marco Aurélio demonstrou sintonia com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que participou sexta-feira de um encontro, em Washington, com seus colegas sul-americanos para tratar do tema. Na ocasião, Mantega reiterou que não pretende ver na nova instituição uma fonte de socorro multilateral e contraponto ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Destacou ainda que 'criar um banco multilateral é multilateralmente complicado' e que prefere 'modéstia e parcimônia' na construção da entidade.
Essa posição tromba completamente com os interesses do presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Correa, do Equador. Além de pretender a criação de uma nova estrutura burocrática e de orientá-la a cobrir os déficits fiscais da vizinhança, ambos esperam adesões à proposta de compor esse 'Fundo Monetário Regional' ou 'FMIzinho' a partir de 'doações' de parcelas das reservas internacionais dos países-sócios. Chávez já anunciou o depósito de US$ 1 bilhão. A Venezuela conta com um total de US$ 31,4 bilhões de reservas internacionais - 28,5% da cifra do Brasil.
Entretanto, Marco Aurélio não deixou de desmentir Mantega e insistir em que não será assinado nenhum documento sobre o Banco do Sul durante a 1ª Cúpula Energética Sul-americana. O ministro havia anunciado que o presidente Lula assinaria hoje um termo de adesão ao projeto de criação do banco. Com isso, se uniria à iniciativa, com forte viés político, da Venezuela, do Equador e da Bolívia.
Segundo Marco Aurélio, se esse tema vier a ser discutido pelos presidentes em Isla Margarita, será em 'caráter informal'. 'O alto nível de confiança existente entre os chefes de Estado não recomenda a existência de assinaturas', afirmou. 'Não precisamos indicar para ninguém se estamos dentro ou fora.'