Título: Etanol - mais uma chance perdida?
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2007, Espaço Aberto, p. A2

O Brasil, ao longo de sua história, sempre chegou atrasado no desenvolvimento das fontes de combustível do futuro: foi assim com o carvão, com o petróleo e com a energia nuclear.

Pela primeira vez, com o etanol, o Brasil está na linha de frente da produção e dos avanços tecnológicos de um produto que deverá, nos próximos anos, firmar-se como uma commodity internacional.

Os principais fatores responsáveis pela transformação recente da indústria de biocombustível e pela criação de um mercado internacional do produto foram condições favoráveis, no Brasil, e uma rápida transformação nas percepções globais relacionadas com preocupações ecológicas e estratégicas, com mandatos governamentais para a utilização do etanol, com a melhoria na infra-estrutura e com os baixos custos de produção do etanol.

Os EUA, por razões de meio ambiente e saúde, aprovaram legislação proibindo o uso do MTBE como aditivo à gasolina, o que deverá propiciar uma verdadeira revolução no mercado norte-americano. Antecipando-se a essa tendência, o Congresso dos EUA aprovou a Lei da Energia, que criou as condições para o crescimento do combustível baseado na biomassa na matriz energética e para a consolidação do gigantesco mercado norte-americano. Mais recentemente, em pronunciamento (State of the Union) em fevereiro passado, o presidente Bush anunciou sua política de redução do consumo de petróleo em 20% até 2017.

Ao lado dessas preocupações, fortes motivações de ordem política e estratégica levaram os governos de Washington e de capitais da Europa a buscar fontes alternativas de energia, como o hidrogênio e a bioenergia. A instabilidade e a volatilidade política no Oriente Médio, região onde se localizam as grandes reservas petrolíferas, fizeram com que, já há alguns anos, no caso dos EUA, o governo venha aprovando uma série de medidas para facilitar o desenvolvimento competitivo de fontes alternativas. A Lei Agrícola (Farm Bill), que, desde 2002, concede crescente subsídio ao milho, matéria-prima para a produção de etanol nos EUA, e, agora, a decisão de misturar etanol à gasolina são exemplos concretos. Do ponto de vista dos EUA, o suprimento de etanol é, certamente, mais garantido do que o do petróleo, pois as Américas, em especial o Brasil, serão fornecedores mais confiáveis do mercado dos EUA.

As decisões mandatórias dos governos dos EUA, do Brasil, da União Européia, da China, do Japão, da Índia, entre outros, com o objetivo de introduzir o etanol em porcentagem crescente na mistura com a gasolina, dão a certeza de um crescimento constante de demanda no mercado mundial. Segundo projeções da F.O. Licht, em 2015, o mercado global crescerá seis vezes, com excesso de produção nas Américas, déficit na União Européia e na Ásia. Na América Latina, haverá um superávit de mais de 6 bilhões de litros de etanol até aquele ano, e a maior parte desse excedente deverá ser exportada para a União Européia e para a Ásia.

É do interesse do Brasil que surjam muitos países produtores de etanol. O produto só se transformará em uma commodity na medida em que esteja padronizado, seja produzido e exportado com garantia de suprimento no longo prazo e comercializado, inclusive com cotação em bolsas de mercadorias, como já ocorre na BM&F, de maneira globalizada.

Em dezembro de 2006, foi criada a Comissão Interamericana do Etanol - parceria entre grupos brasileiros, norte-americanos e o BID -, com o objetivo de promover a produção e o consumo do etanol nas Américas, de servir de ponto focal para o setor privado com vistas a obter informações científicas e técnicas e de estimular investimentos no setor. O BID anunciou a criação de um fundo especial para o financiamento de projetos de biocombustível.

Nas recentes visitas presidenciais ao Brasil e aos EUA, Lula e Bush assinaram acordo de cooperação, com os objetivos, entre outros, de promover a definição de padrões internacionais para o etanol e permitir a cooperação dos dois países em terceiros mercados na América Latina e na África, onde a cultura da cana-de-açúcar pode prosperar, gerando a produção de etanol em volume crescente.

A abertura do mercado internacional, com a presença dos EUA, dos países europeus e da China, oferece amplas perspectivas de negócios para todos, especialmente para companhias brasileiras e norte-americanas, que representam mais de 70% da produção mundial.

Do ponto de vista interno brasileiro, temos ainda muito a fazer para que o Brasil continue um ator importante nos negócios relacionados ao etanol.

A falta ou a deficiência de políticas públicas e marco regulatório que dê segurança aos investidores, juntamente com a questão fiscal, poderão dificultar a competitividade do produto brasileiro no futuro, quando outros países latinos e africanos passarem a competir por espaço.

O aproveitamento das oportunidades que o mercado internacional abre para o etanol brasileiro exige significativo aumento da produção doméstica, praticamente absorvida pelo consumo interno, que, pela regulamentação em vigor, tem prioridade sobre as exportações.

Melhorar a infra-estrutura para permitir o barateamento dos custos de produção e de transporte dos produtos, garantir o suprimento regular dos mercados compradores (sem as incertezas de hoje) e continuar a pesquisa para a busca de novas variedades, especialmente para o Nordeste, são algumas das tarefas urgentes que governo e setor privado devem enfrentar.

Sem atentar para essas questões elementares, o Brasil corre o risco de, mais uma vez, perder o trem da história e continuar a ser produtor de matéria-prima, deixando para outros países o benefício da comercialização e do controle dos preços no mercado global.