Título: O centro decidirá na França
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2007, Notas e Informações, p. A3

O primeiro turno do pleito presidencial francês - cujos resultados, ao contrário do que aconteceu no anterior, de 2002, conferiram rigorosamente com as pesquisas de opinião - descortina uma paisagem política pontuada de aspectos sugestivos do estado da nação francesa. O primeiro dado a destacar, decerto, foi o extraordinário comparecimento às urnas, da ordem de 85% dos 44,5 milhões de eleitores. Há 5 anos, atribuiu-se à abstenção de 30% e à dispersão dos votos por quase uma vintena de candidatos a ida ao segundo turno do racista Jean-Marie Le Pen, numa derrota acachapante para o então candidato socialista Lionel Jospin. O choque e a vergonha que se seguiram asseguraram a reeleição de Jacques Chirac, do centro-direita, com a maior avalanche de votos da história do país - 82%.

Agora, muito mais franceses do que é hábito também no restante da Europa, por sinal, se abalaram aos postos de votação seja para exorcizar o espectro Le Pen, que perdeu 7 dos 17 pontos porcentuais obtidos em 2002, seja para dar ao próximo chefe de Estado um claro mandato. Tanto que os classificados para a rodada decisiva de 6 de maio - o ex-ministro do Interior Nicolas Sarkozy, da União por um Movimento Popular, com quase 1/3 dos votos, e a novata Ségolène Royal, do Partido Socialista, com pouco mais de 1/4 - concentraram as preferências de 57% do eleitorado, ante 37% recebidos pelos finalistas da disputa anterior. O segundo ponto é que um dos vitoriosos do domingo, ele com 52 anos, ela com 53, será o primeiro presidente francês que não cresceu sob os horrores da 2ª Guerra Mundial: uma nova geração, portanto, assumirá a liderança do país.

Em terceiro lugar, a França parece menos polarizada entre esquerda e direita do que sugerem as análises instantâneas da imprensa. Nos dois lados, o extremismo foi repudiado. E 18,5% dos votantes ficaram com o ¿radical de centro¿ François Bayrou, da minúscula União pela Democracia, que entrara na corrida como azarão e dela saiu como fiel da balança do segundo turno. Além disso, a julgar por entrevistas com eleitores egressos dos locais de votação, mais apoio ele teria tido não fosse o voto útil, em proporções não sabidas, mas tampouco desprezíveis, em favor da socialista. Uma eleitora normanda, por exemplo, confessou que permaneceu 3 minutos diante da máquina de votar, indecisa entre Bayrou, a quem preferia, e Ségolène, antes de marcar o seu nome, para ¿barrar Sarkozy¿. As primeiras previsões para o segundo turno dão a Sarkozy 54% dos votos contra 46% para Ségolène, o que não lhe garante a vitória. Contra ele pode trabalhar o seu temperamento que assusta o centro e provoca inquietação até mesmo entre os que endossam a sua agenda.

Nela se destacam a promessa de um choque de capitalismo na economia nacional estagnada, com mais mercado, menos impostos e regulações; e a linha dura contra a violência da racaille (escória) como se referiu aos baderneiros das periferias, quase todos jovens, desempregados, imigrantes legais ou ilegais de origem afro-árabe. O problema é o seu estilo. Embora seja um pragmático, deu azo a que a mídia francesa o chame de ¿colérico¿, ¿truculento¿ e ¿abrasivo¿. E a esquerda colou nele o adjetivo ¿brutal¿. É certo que a campanha para o segundo turno da aparentemente mais plácida e politicamente moderada Ségolène será menos ¿vote socialista¿ do que ¿não vote em Sarkozy¿. O desafio do candidato está em garantir a adesão do centro sem alienar a extrema direita, propensa, talvez, a ficar em casa no primeiro domingo de maio. Isso transpareceu no seu discurso de vitória.

De um lado, dividiu: ¿Os eleitores deixaram claro o seu desejo de levar até o fim o debate entre duas idéias de nação, dois projetos de sociedade, dois sistemas de valores, dois conceitos de política.¿ De outro, somou, falando em ¿unir o país em torno de um sonho francês¿. Já Ségolène, a ¿socialista Channel¿, com as suas propostas vaporosas, se fará passar por mãe da pátria, às vezes severa, mas sempre protetora e provedora - até porque tem menos votos a conquistar na dizimada esquerda impenitente do que Sarkozy na ultradireita. Vença quem vencer, não se espere nenhuma reforma radical nessa próspera nação burguesa, estatista e que ostenta um dos mais eficientes sistemas de proteção social do mundo.