Título: Em busca de eleitorado centrista, Ségolène pede apoio a Bayrou
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2007, Internacional, p. A11
Quando os franceses analisavam a configuração das forças políticas estabelecida após o primeiro turno da eleição presidencial de domingo, com esquerda e direita vitoriosas e um centro neutro, a deputada Ségolène Royal, candidata do Partido Socialista (PS), surpreendeu pedindo ontem o apoio de um ex-adversário - do qual pregava distância. A declaração foi feita em Valence, na região de Drôme, interior da França, e teve como endereço os 6,75 milhões de eleitores de François Bayrou, candidato da União pela Democracia Francesa - derrotado nas urnas, mas detentor de 18,8% dos votos.
Ségolène enviou uma mensagem a Bayrou apelando para que um debate 'público e transparente' seja aberto entre os partidos, tendo por base as propostas do 'pacto presidencial', o programa de governo de 100 propostas dos socialistas. A deputada pediu que pontos de convergência sejam ressaltados para que a esquerda, aliada ao centro, possam 'construir juntos o futuro do país'. 'A França tem tudo a ganhar com a abertura de idéias para sairmos da estagnação do sistema que nos bloqueia. Por isso proponho um diálogo com base no 'pacto presidencial'', disse a candidata, no seu primeiro comício da campanha para o segundo turno.
A proposta de acordo de Ségolène surpreendeu - e decepcionou - parte dos membros do Partido Socialista, ligados ao ex-primeiro-ministro Laurent Fabius. A aproximação, porém, era defendida desde o primeiro turno por expoentes do PS, como o ex-primeiro-ministro Michel Roccard e o ex-ministro da Saúde Bernard Kouchner. Outro a defender o entendimento era Dominique Strauss-Kahn, ex-ministro da Economia do PS que havia sido convidado por François Bayrou para assumir o posto de primeiro-ministro em caso de vitória da UDF.
A suspeita de que a aproximação entre os dois candidatos aconteceria cresceu ao longo do dia, quando o staff do Partido Socialista se concentrou na reorganização da estratégia de campanha. Contatados pelo Estado, Armand Montebourg e Najat Belkacem, os porta-vozes de Ségolène, informaram que novas declarações só seriam feitas hoje. Ao longo de todo o dia, reuniões a portas fechadas discutiam as chances do partido. Delas, participava o deputado do Partido Verde (PV) alemão Daniel Cohn-Bendit, ex-líder do movimento estudantil de maio de 1968, aliado dos socialistas franceses e amigo de Bayrou.
No fim da tarde, informações divulgadas pelo jornal Le Monde em seu site confirmaram que no encontro dos socialistas se discutia a revisão da estratégia de campanha para o segundo turno. Temas como a 'França imparcial' e a 'mudança de um sistema que não funciona mais' - expressões usadas por Ségolène no discurso que fez domingo à noite - passariam a ser ressaltados. Da mesma forma, as referências às bandeiras da esquerda se tornariam menos freqüentes. O partido julga que eleitores comunistas e verdes, pouco menos de 10% dos 36,9 milhões de votantes, devem migrar de forma automática para a socialista, por causa da rejeição a Sarkozy.
Deputados centristas, atentos à eleição legislativa, ainda no primeiro semestre, defendiam nos bastidores a adesão à candidatura da União por um Movimento Popular (UMP), cuja estrutura partidária lhes permitiria ampliar o potencial eleitoral.
Se confirmado, o gesto dos socialistas também ressalta o poder com o qual o ex-ministro da Educação e líder da UDF saiu das urnas. Bayrou quadruplicou seu apoio popular entre as eleições de 2002 e 2007 e foi, tão logo foram abertas as urnas, considerado um dos vitoriosos. Ao longo da madrugada, líderes do partido comemoraram o resultado, apesar da derrota. 'A verdade é que estamos exultantes. Temos quatro vezes mais apoio e criamos um espaço que nos torna a terceira grande força política da França. Até uma cor diferente do azul da UMP e do rosa do PS nós criamos. O laranja agora será considerado na vida política de nosso país', disse ao Estado um deputado europeu da UDF, que pediu para não ser identificado.
A instrução da direção do partido era para que se evitasse contato com a imprensa no início da tarde de ontem, quando a cúpula estava reunida em torno de Bayrou. Ao longo do dia, o centrista não se pronunciou. Um comunicado foi divulgado a jornalistas via e-mail alertando que uma entrevista coletiva será concedida amanhã.
Enquanto a relação entre Ségolène e Bayrou sofria alterações, Sarkozy parecia antecipar-se a um possível acordo. Em discurso, o ex-ministro rejeitou 'selar alianças em detrimento de convicções'.
Na contramão da retórica, a avaliação da UMP, segundo a imprensa francesa, é a de que Sarkozy deve abrandar seu discurso, próximo ao da extrema direita nas últimas três semanas de campanha. A idéia é reduzir a rejeição ao ex-ministro, cujo movimento, 'Tout sauf Sarkozy' - 'Tudo, menos Sarkozy' -, se anuncia como um dos entraves para o crescimento da candidatura. Em seu pronunciamento de domingo à noite, o ex-ministro já havia alterado o tom, apelando a um acento humanista e conciliador. Líderes de tendências centristas da campanha da UMP, como os ministros do Emprego, Jean-Louis Borloo, e de Relações Exteriores, Philippe Douste-Blazy, apelaram pela união de forças e pela organização de uma 'nova maioria presidencial multipolar', em sinal tácito à Bayrou.
Com 11,3 milhões de votos, 31,11% da preferência, o ex-ministro do Interior e candidato da UMP venceu o primeiro turno, alcançou a maior votação da direita em 20 anos e despontou como favorito à eleição de 6 de maio. Em segundo lugar, com 9,4 milhões de votos, 25,8%, Ségolène acabou saudando o fato de os socialistas terem alcançado o segundo turno - o que não ocorria havia 12 anos -, mas permanece pressionada pelas pesquisas - que ainda na noite de domingo lhe conferiram 46% das preferências, contra 54% de Sarkozy, segundo o instituto Ipsos.