Título: Morre Yeltsin, o coveiro da URSS
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2007, Internacional, p. A12

O ex-presidente russo Boris Yeltsin morreu ontem, aos 76 anos, de insuficiência cardíaca, às 15h45 (8h45 hora de Brasília) no Hospital Clínico Central, em Moscou. Em 1991, Yeltsin foi o primeiro líder eleito pelo voto direto da história da Rússia e o único a deixar o cargo por vontade própria, em 1999. Sua biografia foi marcada pelo fim do regime soviético, que ele ajudou a enterrar, e por sua paixão pela vodca.

Yeltsin foi um produto da política de seu antecessor, o líder comunista Mikhail Gorbachev, que assumiu o poder na União Soviética em 1985. Em uma tentativa de dar sobrevida ao regime, Gorbachev lançou dois conceitos reformistas: o de perestroika (ou 'reconstrução', que ganhou a conotação de reestruturação econômica) e o de glasnost ('transparência', que significou a abertura política).

Yeltsin se aproveitou desses lemas para chegar ao poder da Federação Russa, a maior e mais importante das repúblicas soviéticas. Jurou levar o país rumo à democracia, mas governou como um déspota, impedindo o nascimento de uma sociedade civil, elemento-chave dos regimes democráticos. No fim, sua presidência acabou sendo tão totalitária quanto a dinastia comunista contra a qual lutou.

Seu governo também não conseguiu criar na Rússia um Estado de Direito - os anos Yeltsin foram marcados pela violência. Cresceram as taxas de mortalidade e de suicídio, o desemprego, a inflação, a atividade da máfia e os crimes violentos. Lentamente, a Rússia foi entregue a uma geração de empresários protegidos pelo Kremlin, conhecidos como oligarcas, que se aproveitaram do processo de privatização para colocar no próprio bolso boa parte do erário.

Yeltsin foi um líder de contradições desmedidas. Em 1991, durante uma tentativa de golpe de comunistas linha-dura, subiu no alto de um tanque e discursou para uma multidão arrebatada pelo patriotismo, salvando o emprego do então presidente e aliado Gorbachev. Entretanto, em 1993, quando a oposição desafiou sua autoridade, mandou os mesmos tanques bombardearem o prédio do Parlamento. Como presidente, libertou a maioria das antigas repúblicas soviéticas, mas invadiu a Chechênia quando os rebeldes reivindicaram o mesmo direito separatista.

Yeltsin criticou duramente Gorbachev por não avançar nas reformas e por nomear comunistas conservadores para cargos-chave. No entanto, concentrou poder em suas mãos e acabou indicando o então desconhecido ex-chefão da KGB V ladimir Putin como seu sucessor.

Com a saúde debilitada, ele jamais cumpriu a promessa de construir uma nação estável. Seus programas econômicos fracassaram - a terapia de choque, de 1991, e as privatizações, de 1992 a 1994. As desvalorizações do rublo deixaram os russos sem suas economias. Em 1998, veio golpe de misericórdia, quando o país sofreu um ataque especulativo que o levou à ruína. Yeltsin sucumbiu junto com a Rússia.

Durante seus oito anos no poder, costumava aparecer em entrevistas coletivas embriagado - uma delas, na cúpula russo-americana de 1995, levou o presidente Bill Clinton às gargalhadas. Outro gesto comum em sua cartilha era deixar ministros de Estado esperando no aeroporto enquanto cochilava no avião.

Alguns protagonistas dessa história lamentaram ontem a morte do ex-presidente russo. Para Gorbachev, seu maior adversário político, foi 'uma perda irreparável'. Clinton disse que Yeltsin foi um 'líder corajoso'. O ex-presidente americano, aliás, foi quem melhor definiu o fenômeno Yeltsin, em comentário ao então secretário de Estado Strobe Talbott. 'Não podemos nos esquecer de que Yeltsin bêbado é melhor do que muitos outros sóbrios.'

CRONOLOGIA

Dezembro de 1985: É nomeado primeiro-secretário do Partido Comunista da URSS

Junho de 1991: É eleito presidente da Federação Russa, na primeira eleição popular do país

Agosto de 1991: Lidera a resistência à tentativa de golpe contra o presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev

Dezembro de 1991: Proclama o fim da URSS

Janeiro de 1992: Começa a desmantelar 75 anos de política comunista com privatizações

Dezembro de 1993: Constituição aprovada em referendo dá a Yeltsin plenos poderes

Dezembro de 1994: Envia tropas à Chechênia

Julho de 1998: Reeleito presidente com 53,8% dos votos

Agosto de 1999: Anuncia Vladimir Putin como seu sucessor

Dezembro de 1999: Yeltsin renuncia antes do fim do mandato.