Título: Especialistas estranham foro privilegiado para juízes no STF
Autor: Diniz, Laura e Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2007, Metrópole, p. C3

A decisão do ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal (STF), de libertar três magistrados e um procurador da República, presos no dia 13, enquanto outros 21 investigados pela Operação Hurricane continuam nas celas da Superintendência da PF, causou estranheza na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e intensificou o debate sobre o instituto do ¿foro privilegiado¿.

Também investigado, o ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não chegou a ser preso. Essa discrepância no tratamento aconteceu porque houve um desmembramento do inquérito que apura a suposta rede de venda de decisões judiciais favoráveis a empresários do ramo de jogos de azar. Por causa do foro privilegiado, as autoridades serão investigadas e processadas perante o STF. Os outros - advogados, empresários, bingueiros e bicheiros - responderão perante a Justiça de primeira instância.

É um fato notório que quem responde perante o STF tem menos chances de ser preso. A jurisprudência consolidada do tribunal estabelece que as prisões devem ser decretadas apenas em situações inevitáveis. O Supremo costuma determinar a soltura até de condenados.

A rigor, casos relacionados a desembargadores e procuradores da República são processados no STJ e de juízes federais, em seus respectivos Tribunais Regionais Federais. Segundo a Assessoria de Imprensa do STF, o ministro decidiu desmembrar o inquérito dessa forma por ver semelhança nas condutas dos quatro magistrados e do procurador.

Mas o professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP Sérgio Salomão Shecaira diz que esse entendimento causa ¿uma certa estranheza¿. Segundo ele, a divisão ¿passa para a sociedade, ainda que não o seja, a idéia de corporativismo¿. Da mesma forma pensa o jurista Luiz Flávio Gomes. ¿É um tratamento diferenciado que não deveria ocorrer.¿

O juiz Richard Chequini, do 1º Tribunal do Júri da capital, observa que a orientação do Supremo sempre foi de trazer para o seu julgamento todos os envolvidos em processos em que um réu tem foro especial. ¿O caso do Mensalão é um exemplo. Em virtude do foro especial do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o STF trouxe todos os envolvidos para serem julgados da mesma maneira.¿ Segundo ele, o ideal é que não haja desmembramento para que o processo tenha um andamento único. O vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), Sérgio Mazina, por sua vez, considera que Peluso apenas aplicou a jurisprudência do Supremo, que prevê condutas semelhantes como critério de desmembramento. ¿Não conheço detalhes do processo, mas não se trata de decisão corporativa. Se fosse esse o caso, o ministro não teria mandado prender os suspeitos.¿

O ministro da Justiça, Tarso Genro, também defendeu a decisão de desmembrar o inquérito que apura a suposta venda de decisões. ¿A Justiça entendeu que não haveria prejuízo para o andamento do processo e fez a sua liberação. Não há nenhum erro técnico nas decisões que foram tomadas até agora.¿

PRIVILÉGIO

Os especialistas se dividem em relação à necessidade ou não do foro especial. Para Gomes, o instituto só deveria ser mantido para o presidente da República. ¿Isso praticamente acabou nos outros países.¿ O promotor de Justiça Roberto Livianu, doutor em Direito Penal com tese sobre corrupção, é totalmente contra o foro especial. ¿O privilégio está na contramão da democracia.¿ Já o professor Shecaira, considera esse tratamento necessário. Segundo ele, um juiz de primeira instância poderia se ver constrangido ao julgar um desembargador. ¿Poderia ser alvo de todo tipo de pressões.¿