Título: A economia política da obesidade
Autor: Weis, Luiz
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2007, Espaço Aberto, p. A2

Dias atrás, falando à Associação Britânica de Estudos Políticos, o conhecido cientista social inglês Anthony Giddens, ou lorde Gidden, título que adotou ao ser incluído entre os pares do Reino, aconselhou o Partido Trabalhista a plantar no centro de sua agenda a temática que ele engloba na expressão ¿estilos de vida¿ - associando diversas questões do cotidiano, entre as quais a da dieta.

Entrelaçados, os termos estilo de vida e dieta parecem remeter à esfera um tanto frívola do ¿comportamento¿, como a mídia designa gostos, modas, costumes e atitudes em mutação. Estes dependeriam antes dos vagares da subjetividade humana do que daquilo que o velho e decididamente démodé Karl Marx chamava ¿as bases materiais da existência¿, determinadas pela economia política e as relações sociais.

É do que afinal se trata, porém - e lorde Gidden sabe disso perfeitamente -, quando se quer ir às ¿causas das causas¿ dos estilos de vida, para citar o professor de jornalismo Michael Pollan, da Universidade da Califórnia, autor de The Omnivore¿s Dilemma, ainda sem tradução em português. Pelo título do livro já dá para perceber que o prato de resistência do cardápio intelectual do professor é a alimentação.

Ele tem dito coisas sérias sobre as causas das causas do maior problema de saúde pública nos EUA (e do segundo principal fator de doença e mortandade no Brasil, depois do álcool), a obesidade. Dos 300 milhões de gordos e obesos do mundo, 180 milhões vivem nos EUA (3/5 da população) e 39 milhões no Brasil (2/5). Na América, o sobrepeso, principalmente masculino, é considerado uma epidemia.

Aqui, ¿a trajetória da obesidade é explosiva, sem sinal de arrefecimento¿, afirmou à revista Pesquisa, da Fapesp, o epidemiologista Carlos Augusto Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública da USP. Em 2003, uma pesquisa do IBGE revelou que há mais gordos (27%) do que magros (9,5%) na população masculina de baixa renda.

As causas visíveis são sabidas. Na descrição de Monteiro, ¿o aumento substancial do teor de gorduras em geral e de gorduras saturadas na alimentação do brasileiro, a manutenção de níveis absurdamente elevados de consumo de açúcar e aumentos geométricos no consumo de alimentos processados, ricos em gordura, sal e açúcar, incluindo biscoitos, embutidos, refrigerantes e refeições prontas¿. Ou seja, a imitação da dieta americana.

Dos americanos mais pobres, bem entendido. Pollan, o professor, cita um colega da Universidade de Washington, Adam Drewnowski, que pesquisou quantas calorias US$ 1 é capaz de comprar num supermercado. Descobriu que compra 1.200 calorias de alimentos processados, do tipo cookies ou potato chips, mas apenas 250 calorias de cenouras. Ou, ainda, compra 875 calorias de refrigerantes, mas apenas 170 de suco de laranja.

Eis por que, contrariando a história, a dieta dos pobres nos EUA deixou de ser escassa e se tornou excessiva em calorias. Não se trata da livre escolha num aspecto particular de um estilo de vida reprovável, ou só um comportamento induzido pela maciça publicidade da indústria de junk food. Indo às causas das causas, chega-se aos montanhosos subsídios agrícolas que desde os anos 1970 não cessam de crescer na América.

Por força da Lei Agrícola - que se renova a cada 5 anos e que os colegas americanos de lorde Gidden estudam como o supra-sumo do poder do lobismo, sem que lhe ponham freios a Câmara ou o Senado americanos, e sem que a mídia informe a sociedade das obscuras cláusulas do texto -, Washington paga US$ 25 bilhões anuais aos plantadores de arroz, trigo, algodão, soja e, principalmente, milho.

Com uma perversidade adicionada: quanto maior for a produção, maiores serão os subsídios; ou, quanto maior a safra, maior a cifra dos cheques depositados nas contas dos fazendeiros. Antigamente, nos tempos de Roosevelt, o governo os defendia com políticas de preços mínimos e manutenção de estoques reguladores. Desde Nixon - e essa a origem da tragédia da obesidade nos EUA - o governo gasta não para proteger o agricultor nos tempos de vacas magras, mas para induzi-lo a superproduzir sem limites.

Dá naquele cálculo do pesquisador com US$ 1: os produtos ¿densos em energia¿, estourando de açúcares e gorduras derivados de milho e soja, custam uma fração do que os alimentos in natura ou derivados de culturas não subsidiadas. Pollan escreveu domingo na revista do New York Times que, entre 1985 e 2000, o preço das frutas e legumes aumentou perto de 40% nos EUA, já descontada a inflação, enquanto o dos refrigerantes - ¿milho líquido¿, diz ele - caiu 23%.

Em outubro de 2003, o professor já havia alertado para outra perversão comprovada: ¿Quando a comida é farta e barata, as pessoas comem mais ainda e engordam.¿ Na ¿República da Gordura¿, explicou, ¿milho barato, transformado em carne barata, é o que permite ao McDonald¿s aumentar o tamanho de seus hambúrgueres¿ - e ganhar proporcionalmente mais do que lhe custou cada novo super Bic Mac.

E é assim também que a ¿nação fast-food¿ se reproduz numa cadeia mundial como a da famosa lanchonete. No entanto, uma parcela dos próprios americanos não esperou o Partido Democrata fazer o que o lorde-sociólogo aconselhou o trabalhista britânico, seu parente distante, em matéria de uma nova agenda progressista.

Eles começaram por conta própria a ¿votar com os seus garfos¿, nas palavras de Pollan. São inumeráveis as iniciativas voltadas em última análise para uma nova economia política da alimentação, embora os seus autores provavelmente desconheçam o termo.

Daí o formidável crescimento do mercado de produtos orgânicos - um setor que movimenta hoje em dia US$ 15 bilhões. No Brasil, em grau muito menor, a tendência é a mesma. Só falta alguém advertir os partidos da grande demanda potencial por novas políticas de estilos de vida - refeições incluídas.