Título: Um acordo perigoso
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2007, Notas e Informações, p. A3

O governo federal acabou recorrendo a um acordo perigoso para garantir a prorrogação, até 2011, da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Em troca do apoio dos governadores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dispôs a estudar a ampliação do limite de endividamento dos Estados. A prorrogação, que depende de uma nova emenda constitucional, permitirá ao governo federal manter a gastança por alguns anos, sem se preocupar seriamente com a disciplina financeira. O maior espaço para endividamento poderá estimular os governadores a afrouxar o controle das contas públicas. A combinação das duas medidas pode ser explosiva.

Na mensagem remetida ao Congresso, o governo pediu a manutenção, até 2011, da alíquota de 0,38% para a CPMF. Não houve surpresa. Esse tributo deve render ao Tesouro, neste ano, cerca de R$ 35 bilhões. Segundo o ministro da Fazenda, a administração federal dificilmente poderá renunciar a essa arrecadação nos próximos anos. Poderia, de fato, se estivesse disposta a cumprir um sério programa de reformas na área fiscal, mas isso é altamente improvável.

O ministro apenas admite, como hipótese, a negociação de um corte gradual da alíquota, durante a tramitação do projeto. Mas com uma ressalva: será preciso ¿levar em conta o conjunto das prioridades de desoneração tributária e, em particular, se é mais urgente reduzir linearmente a alíquota da CPMF¿ ou diminuir mais velozmente sua incidência nas operações de crédito.

Para o contribuinte, pessoa física ou empresa, o dilema é falso. Não se pode eliminar a CPMF de um ano para outro, mas seria possível programar sua extinção gradual até 2011, segundo a trajetória proposta muitas vezes por economistas, empresários e políticos. Com a redução programada, o governo poderia ajustar progressivamente seus gastos e todos ganhariam com isso, exceto os parasitas do Tesouro.

O objetivo, nesse caso, não seria apenas diminuir a absurda carga tributária imposta aos brasileiros. Já seria muito bom se essa meta fosse alcançada, mas o caso da CPMF é especial. Esse tributo é uma aberração. Economistas estrangeiros mostram-se surpresos ao saber de sua existência. Seu efeito em cascata é mais amplo e mais danoso que o de qualquer outro imposto, pois a alíquota incide sobre a mera liquidação de transações já oneradas por tributos ¿normais¿.

A maioria dos brasileiros, acostumados a tantos abusos, talvez tenha perdido a noção da anomalia. Quando uma pessoa compra um liquidificador, o produto chega às suas mãos onerado pelo Imposto sobre Produtos Industrializados, pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e por várias contribuições, incluída a previdenciária.

Além disso, as indústrias e empresas comerciais e de serviços envolvidas no processo pagarão Imposto de Renda sobre o lucro, assim como o comprador paga sobre seu salário. Em países normais, a tributação terminaria aí. Mas o cliente da loja ainda pagará a CPMF pelo simples fato de emitir um cheque. O mesmo tributo já terá onerado o produto nas várias etapas de produção e circulação. É difícil encontrar um exemplo mais expressivo de aberração fiscal.

A disposição do presidente Lula de estudar a ampliação do limite de endividamento dos Estados também é preocupante. Segundo o governador José Serra, a Lei de Responsabilidade Fiscal fixa um limite maior que o negociado no refinanciamento das dívidas de Estados e haveria, portanto, apenas um ajuste. O argumento parece razoável, mas as condições previstas na renegociação, nos anos 90, foram baseadas numa avaliação realista das possibilidades financeiras dos Estados num prazo muito longo. Se as condições forem afrouxadas e alguns Estados se endividarem, de novo, de forma imprudente, o Tesouro Nacional voltará a socorrê-los e a impor a todos os brasileiros, de novo, o custo da irresponsabilidade de alguns?

O Executivo também pediu ao Congresso que prorrogue a Desvinculação de Receitas da União (DRU), para ter maior liberdade na gestão do orçamento. Já poderia ter cuidado disso há muitos anos, por meio de uma emenda constitucional definitiva, mas não se dispôs a enfrentar uma negociação politicamente difícil. É a cultura do remendo comandando o País.