Título: Terra de ninguém
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2007, Nacional, p. A6

Se entendimentos de quaisquer naturezas, que não os atinentes à relação administrativa entre os governos estadual e federal, estiverem sendo feitos entre o PT e o PSDB, o governador de São Paulo, José Serra, informa que passam ao largo de sua jurisdição.

Para começo de conversa, Serra repudia duas interpretações: a de que o PSDB esteja a serviço de sua candidatura à Presidência da República em 2010, e por isso tenha resolvido firmar um pacto de não-agressão com o presidente Lula e o PT, é uma. A outra diz respeito ao controle exercido por ele sobre a máquina do partido.

Ambas as conclusões, na concepção dele, estão equivocadas. Por diversos motivos aos quais prefere não emprestar grande detalhamento por razões de convivência interna. Mas um deles expõe como definitivo: o PSDB está sem rumo, sem comando na ação, sem unidade de pensamento e, portanto, não é um partido que esteja empenhado na defesa de alguma causa.

E como não tem agenda definida nem controle ou referência interna inequívoca, José Serra acha no mínimo incongruente que seja apontado como o comandante de planos estratégicos onde não há estratégia visível.

Os episódios de ambigüidade protagonizados pelo PSDB, principalmente na relação com o governo no Congresso, o governador diria que resultam do bate-cabeça generalizado em vigor no partido, onde cada grupo ou personagem se movimenta de acordo com seu interesse específico e, não raro, individual.

E o de Serra, assegura, por enquanto é se manter o mais longe possível de urdiduras políticas que possam dar margem a interpretações eleitorais. Essas virão a seu tempo. Nega ter tido conversas diretas ou indiretas com gente do governo ou do PT e afirma ter duas preocupações em mente: governar São Paulo direito, o que implica uma relação administrativa normal com o governo federal, e evitar antecipar o debate sobre 2010, porque isso o impede de governar direito.

José Serra não enxerga fato concreto em que possam se basear as conclusões de que seja o condutor de aproximações políticas e aponta dois para desmentir as versões: a defesa da realização de duas CPIs - na Câmara e no Senado - simultâneas para investigar a crise aérea e o abandono temporário da proposta que defende publicamente desde 2001 - o fim da reeleição - até que o PSDB dissipe, ou não, seus receios de a tese ser usada para abrir espaço para o presidente Lula tentar um novo mandato.

Embate de gerações

Em comum com seu colega de São Paulo, a governadora do Rio Grande do Sul, a tucana Yeda Crusius, só tem o diagnóstico de que o partido de ambos vive um período particularmente infeliz em matéria de organização interna e atuação externa.

Fora isso, a governadora destoa do governador na abordagem da problemática tucana e principalmente no tocante à candidatura presidencial: Yeda Crusius se posta claramente como integrante do ¿grupo do Aécio¿ e diz com todos os efes e erres que o PSDB em breve terá um ¿embate de gerações¿, a partir do qual será definido o rumo do partido e a candidatura a presidente.

De um lado, as lideranças novas, nascidas já na redemocratização. De outro, as forças mais antigas, cuja referência é a luta contra o regime militar.

A governadora não vê no horizonte nenhum movimento para abrir espaço a alianças com o PT. Para ela, quem dissemina essas versões ¿se diverte¿, mas erra.

¿Não há chance de sermos subsidiários do PT ou de Lula¿, diz ela, apontando, contudo, a dificuldade da geração mais antiga em fazer o conflito aberto com seus contemporâneos petistas. ¿Quem lutou junto contra a ditadura tem dificuldade de se esfaquear¿, diz, evidentemente em sentido figurado.

Dessa relação antiga, acredita Yeda Crusius, nascem alguns titubeios tucanos, mas nada que comprometa o projeto de volta ao poder. Nem o previsto embate de gerações a governadora acha que resultará em dissensões irremediáveis. ¿Haverá luta, mas interna.¿

A gaúcha é otimista quanto ao futuro. É convicta partidária da tese de que a partir do Congresso do PSDB, em setembro, os tucanos reencontrarão o rumo, a unidade e as idéias perdidas.

Não desqualifica as críticas, mas acha que não se pode tomar o PSDB de hoje - ainda tonto desde o tumultuado processo de escolha do candidato de 2006 - pelo partido que se apresentará às disputas de 2008 e 2010. Seja qual for.

Pingos nos is

No crescendo da sombra à luz das auto-análises tucanas, a deputada Zulaiê Cobra deixou ontem o PSDB dizendo o que ninguém diz. Foi porta-voz de sujeitos ocultos existentes a mancheias no partido, ao cobrar das lideranças clareza de posições.

Estridente na forma, Zulaiê distribuiu desaforos que, no conteúdo, tucanos de maneiras fidalgas adorariam distribuir. Só não o fazem por uma questão de temperamento e porque, por enquanto, não têm para onde ir.