Título: 'Agenda da reforma não é a da violência'
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2007, Nacional, p. A11

A onda de invasões de fazendas, prédios públicos e até praças de pedágio que o Movimento dos Sem-Terra (MST) vem realizando pelo País, no ¿abril vermelho¿, irrita cada vez mais o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. Na opinião dele, ao recorrer à violência, os sem-terra prestam um desserviço à sua própria causa - a reforma agrária.

¿A agenda da reforma é a da geração de trabalho e renda, de produção de alimentos, políticas de desconcentração fundiária¿, disse o ministro em entrevista ao Estado. ¿Não é a agenda da violência, da queima do canavial, da ocupação do prédio público.¿

Na mesma entrevista, cujos trechos principais são reproduzidos a seguir, Cassel também atacou a proposta, defendida pelo MST, de extinção do ministério que chefia. Até agora nenhum ministro do governo Lula tinha criticado o MST de forma tão veemente. Curiosamente, o ataque vem de um militante do PT, integrante da Democracia Socialista - uma das tendências mais à esquerda do partido.

Para o MST, o ministério que o senhor chefia é inoperante em termos de reforma agrária. Querem que seja dado maior poder ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária. Como vê isso?

Querem enfrentar a pauta política com uma solução administrativa. Na verdade, não importa onde o Incra está situado, mas saber se a reforma agrária tem sido ou não prioridade política neste governo. Eu digo que sim. É inegável que o governo deu prioridade a essa questão. Só na obtenção de terras foram investidos R$ 4 bilhões no primeiro mandato. O Orçamento do ministério, que era R$ 1,7 bilhão, passou para R$ 4,8 bilhões. Foi o que mais cresceu.

Afirmam que o ministério faz pouco pela reforma.

Essa é a visão preocupante de quem não reconhece a existência da agricultura familiar. O meio rural brasileiro não é só latifundiário e assentado. Existem 4,2 milhões de famílias que têm pequenas propriedades, respondem por 11% do PIB brasileiro e são responsáveis pela produção de 70% de todos os alimentos consumidos no País. Trata-se de um setor muito relevante, do ponto de vista econômico e social, e não pode ser esquecido. Foi por isso que se criou um ministério à parte, que cuida da agricultura familiar e da reforma agrária.

Mas é isso, ministro: dizem que cuida da agricultura familiar, mas não faz nada pela reforma.

É disso que não gosto. Como podem dizer, após termos assentado 381 mil famílias em quatro anos, que não fizemos nada? Nesse período, cerca de 32 milhões de hectares foram destinados para a reforma. É uma área maior que a dos territórios de Holanda, Portugal, Suíça, Bélgica e Dinamarca, juntos. Isso é nada? Acho legítimo eles dizerem que poderíamos ter feito mais, porém, considero incorreto ignorar os fatos.

Parece que as relações entre o ministério e o MST nunca estiveram tão ácidas.

Não se trata de acidez. Nem de ruptura. Tenho manifestado, como ministro e como lutador da reforma agrária, a minha preocupação: sempre que a agenda da desconcentração fundiária é substituída pela agenda da violência, a reforma agrária perde. Tenho respeito pelo MST, mas também tenho divergências e quero ter a liberdade de expressá-las. Eles não podem ignorar que este governo foi o que mais investiu em reforma na história do Brasil. A agenda da reforma agrária é a da geração de trabalho e renda, de produção de alimentos, políticas de desconcentração fundiária. Não é a agenda da violência, da queima do canavial, da ocupação do prédio público.

Acha possível acelerar o ritmo de assentamentos no segundo mandato de Lula, para atender ao MST?

Vamos trabalhar com duas ênfases. A primeira delas será manter o ritmo de assentamentos - em torno de 100 mil por ano. Isso vai equilibrar a demanda, reduzir o conflito, enfrentar a concentração fundiária. A segunda ênfase será a produção dos assentamentos. Queremos mostrar à opinião pública, à sociedade brasileira, que os assentamentos da reforma agrária não são um espaço de violência, de pobreza, de atraso, mas sim de geração de trabalho e renda, de produção de alimentos. Para isso vamos investir ainda mais na infra-estrutura dos assentamentos, em políticas de crédito, seguro agrícola, comercialização dos produtos.

De acordo com estudo divulgado há pouco pela Sociedade Rural Brasileira, os agricultores familiares estão sendo expulsos do campo. Pelo mesmo estudo, seria mais sensato investir para segurá-los no campo do que gastar em assentamentos que nem sempre são produtivos.

O censo agropecuário, iniciado há pouco, vai mostrar que essa visão está equivocada. Temos a expectativa de que ele demonstre que a evasão no meio rural estancou ou diminuiu - assim como a concentração fundiária. Em decorrência dos investimentos destinados à pequena agricultura, está ocorrendo uma revolução silenciosa na zona rural.

Quem é: Guilherme Cassel

É engenheiro civil , pós-graduado em recursos humanos

Ligado a Miguel Rossetto, foi secretário-executivo do ministério antes de assumi-lo.