Título: Presentão
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2007, Economia, p. B2

Para resolver sua nova equação política, o presidente Lula está usando a cartola da Petrobrás para tirar um coelho destinado a beneficiar um projeto privado no Ceará.

É a siderúrgica Ceará Steel, a ser erguida no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (62 km a noroeste de Fortaleza), para produzir 1,5 milhão de toneladas de placas (estágio anterior ao da laminação), a partir de 2010.

Os acionistas do projeto, orçado em US$ 760 milhões, são o grupo sul-coreano Dongkuk Steel, a italiana Danieli e a brasileira Vale do Rio Doce. Metade da produção será adquirida pela própria Dongkuk e a outra metade será exportada, presumivelmente para os Estados Unidos.

Em 1996, a Petrobrás concordou em fornecer gás natural à usina a US$ 3,20 por milhão de BTU. De lá para cá, as condições mudaram e a Petrobrás enfrenta novos fatos consumados, em fornecimento e preço, impostos pela Bolívia. O custo desse gás na entrada do gasoduto já está nos US$ 4,60 e poderá saltar para US$ 6 por milhão de BTU.

O ex-governador Ciro Gomes (PSB) e Tasso Jereissati (presidente do PSDB), mais o governador Cid Gomes (PSB) exigem que a Petrobrás mantenha o preço original, o que caracterizaria favorecimento a investidores privados.

Inspirado em Pilatos, até recentemente o presidente Lula lavou suas mãos diante do problema. Há dez dias, já de namoro com a oposição, orientou o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, a dobrar a Petrobrás. Na semana passada, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do grupo Gerdau, advertiu que a consumação do presentão abriria o flanco brasileiro para uma avalanche de processos de concorrência desleal.

O governo cearense contra-argumenta que não haverá prática de dumping, já que os preços das placas produzidas pela Ceará Steel serão os de mercado e, assim, não haveria prática comercialmente condenável. E propõe que parte da diferença de preço seja compensada pela construção, a ser assumida pelo Tesouro do Ceará, de dois gasodutos para o suprimento da siderúrgica.

Há, no caso, ao menos quatro distorções. A primeira é usar o caixa de uma empresa pública, a Petrobrás, para pagar a conta de um negócio privado. Segunda distorção: a Petrobrás não deve satisfação só ao Tesouro brasileiro; é uma empresa de capital aberto com milhões de acionistas, aqui e no exterior, aos quais lesará cada vez que beneficiar clientes com prejuízo para seu patrimônio ou para seu resultado. Terceira, o favorecimento a uma usina abre o precedente para que outros projetos e outros clientes tenham tratamento igual. Quarta, não faz sentido privilegiar o fornecimento de gás natural a um empreendimento quando outros setores têm de se submeter a programa de racionamento do produto.

Acrescente-se que o governo Lula já permitiu que a Petrobrás fosse lesada quando se omitiu diante do seqüestro de patrimônio público brasileiro praticado pelo governo boliviano de Evo Morales. Agora está mais uma vez lesando patrimônio público quando dá encaminhamento político para uma questão puramente comercial.