Título: 'Abril vermelho' subsidiado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2007, Notas e Informações, p. A3

¿Não existiria nenhum abril vermelho sem recursos públicos.¿ Esta afirmação do sociólogo e pesquisador Zander Navarro (em nossa edição de domingo), doutor em sociologia pela Universidade de Sussex, com pós-doutorado no MIT, mas sobretudo com a autoridade (mais que acadêmica, vivencial) de quem já nos anos 1980 coordenou ações da reforma agrária e ligou-se com o Movimento dos Sem-Terra (MST), é elemento precioso de avaliação quando se faz o balanço do ¿abril vermelho¿, como se autodenominaram as operações simultâneas de esbulho e vandalismo, praticadas pelo MST em inúmeros pontos de quase todo o território nacional.

Além de dar testemunho do perfil antidemocrático de uma organização com ¿apego quase militar à manutenção de uma estrutura semi-secreta¿, o sociólogo afiança que não existe controle sobre os recursos públicos repassados às entidades controladas pelo MST, os quais acabam financiando suas invasões e o que delas decorre - depredações, vandalismos praticados contra patrimônios privados e públicos, desrespeitos e violências contra trabalhadores rurais e atos semelhantes. Na verdade, isso é apenas mais uma comprovação daquilo que sempre denunciamos. O MST jamais pretendeu se legalizar porque, como organização fora da lei, escapa do controle dos recursos públicos que recebe por meio de suas entidades coligadas, que não passam de laranjas ¿legalizadas¿.

A esse respeito Navarro apresenta a etiologia da questão, esclarecendo: ¿A partir dos anos 90 o financiamento do MST oriundo das doações de igrejas européias começou a escassear, ao mesmo tempo que se descobriu a porta das burras do Estado. São dois os estratagemas. Primeiramente, mantém sob estrutura não formal o MST - que não é registrado, não tem estatuto, não tem processos públicos de escolha de sua direção e não presta contas de nada. Isso permite proteger suas lideranças em todo o País.¿ ¿O outro caminho é registrar dezenas de organizações, sobre as quais ninguém ouviu falar (cooperativas, associações, organizações de técnicos). Essas últimas, por serem regulares, preparam projetos para obter fundos públicos.¿ ¿Como não há fiscalização, a criatividade, digamos assim, permite um uso bastante heterodoxo dos recursos.¿ E está explicado o processo de subsídio ao cangaço do século 21.

Com 81 invasões no mais recente ¿abril vermelho¿, o Movimento dos Sem-Terra quase triplicou as que realizara no ano eleitoral de 2006. E seus líderes não fizeram segredo algum de que então estabeleceram uma trégua para não prejudicar a campanha do companheiro Lula - que os recebe em Palácio de boné vermelho na cabeça.

Além das fazendas produtivas, este ano foram invadidos 17 prédios governamentais, inclusive agências bancárias oficiais, foram ocupadas 25 praças de pedágio - só no Paraná -, houve marchas e o fechamento de rodovias. Nas ações foram mobilizados cerca de 22 mil militantes - só a marcha para Salvador reuniu 5 mil. Em São Paulo e Pernambuco ocorreram mais invasões - 19 em cada 1. O grande pretexto foi o ¿comemorado¿ massacre de Eldorado dos Carajás, onde 19 sem-terra foram mortos por policiais militares em 1996. Mas os pretextos, agora, podem ser outros e vários - começando pelo ¿ambientalista¿, contra os canaviais e o famigerado etanol.

Esses tipos de pretextos se casam com outra observação percuciente do sociólogo Zander Navarro, quanto à falta de demanda real por terras, por parte de uma população em que prevalece a ¿lógica¿ da concentração urbana. Isso faz com que MST e assemelhados percam a consistência de suas bandeiras de ¿reforma agrária¿ - embora insistam nelas - e deixem de ser um ¿movimento social¿ para se tornar um movimento eminentemente ¿político¿. Não era de se esperar que os sem-terra tivessem tanta transparência, a ponto de deixar o público conhecer ¿o exercício primaríssimo de doutrinação da meninada¿ - como Navarro se refere ao ensino ministrado nas escolas dos assentamentos do MST. Mas bom seria que esse movimento e seus assemelhados dispensassem o cangaço subsidiado e começassem a fazer política de maneira legal e democrática.