Título: Juros e câmbio, jogo dos irmãos siameses
Autor: Moura, Alkimar R.
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2007, Economia, p. B2

No entendimento de muitos economistas, prevalece a noção de que as taxas nominais de juros e de câmbio mantêm uma estreita relação no curto prazo. Ambas são determinadas nos mercados de ativos e se movem de maneira conjunta, não necessariamente na mesma direção, mas 'coladas' entre si, como irmãos siameses, com movimentos em sentidos opostos.

Esta associação entre esses dois preços fundamentais torna-se mais evidente em países que adotam regime monetário caracterizado por metas inflacionárias e por uma regra de política monetária semelhante. Esta última vincula as mudanças na taxa de juros de curto prazo, determinadas pelo Banco Central, ao objetivo de fazer com que a inflação observada convirja para a inflação fixada pela autoridade política. É óbvio que, nestas condições, a taxa de juros não está sendo determinada pelas forças de mercado, mas, sim, fixada pelo Banco Central, em resposta às mudanças no cenário previsto para a taxa de inflação.

Em trabalho recente divulgado pelo National Bureau of Economic Research (NBER), intitulado Is Bad News About Inflation Good News for the Exchange Rate? (NBER, Working Paper nº 13010, abril de 2007), os professores norte-americanos R. Clarida e D. Waldman estudaram a relação entre surpresas inflacionárias e a taxa nominal de câmbio. A idéia do texto é clara e fácil de ser entendida, desde que aplicada a países com aquelas duas condições - metas inflacionárias e regras operacionais, ligando as mudanças na taxa de juros aos desvios da inflação observada em relação à expectativa de inflação. Notícias ruins sobre a inflação, significando uma inflação maior do que a taxa esperada, vão provocar uma elevação da taxa de juros de curto prazo pelo Banco Central, o que, em um regime de flexibilidade cambial, estimula a entrada de recursos externos, e isto, por sua vez, leva às boas notícias sobre a taxa de câmbio, ou seja, à apreciação cambial. Assim, surpresas negativas na inflação geram elevação da taxa interna de juros e valorização do câmbio.

A associação entre câmbio e juros decorre de uma condição de equilíbrio de curto prazo, que tende a eliminar qualquer possibilidade de ganhos de arbitragem entre os mercados financeiros doméstico e internacional. Essa taxa nominal de câmbio, determinada nas condições anteriores, pode não ter relação com a taxa nominal necessária para alcançar a taxa real de câmbio de equilíbrio de longo prazo.

Pode-se supor que o resultado acima seja rigorosamente simétrico: surpresas positivas no front inflacionário vão gerar uma desvalorização cambial, pelo canal taxa de juros. Uma inflação menor do que a meta levará a uma política monetária expansionista, com queda nos juros, o que causará uma desvalorização cambial, pelas mesmas condições de arbitragem anteriores. Este resultado significa que boas notícias para a inflação são más notícias para a taxa de câmbio, para países com metas inflacionárias e regras de política monetária semelhantes às mencionadas anteriormente.

Neste contexto, como explicar a situação brasileira recente, com a combinação de boas notícias para a inflação e também para o câmbio? De fato, a partir de 17 de agosto de 2005, o Copom iniciou um ciclo de preguiçosa e gradual redução na taxa Selic, a qual saiu de 19,75% ao ano, naquela data, para o nível atual de 12,50% ao ano. No mesmo período, a taxa nominal de câmbio reduziu-se de R$ 2,349 por dólar para R$ 2,025 por dólar, em 26 de abril de 2007, com uma valorização de quase 14% do real. Assim, boas notícias para a inflação e para os juros redundaram em notícias também favoráveis para o câmbio, contrariando a hipótese inicial.

No entanto, nem só de arbitragem vive a taxa de câmbio. O que as cifras anteriores indicam é a enorme influência do vigoroso choque positivo de relações de troca que têm favorecido as exportações brasileiras recentemente e têm mais do que compensado o efeito da redução da taxa de juros sobre o câmbio. Neste sentido, a economia internacional tem sido muito generosa com o Brasil, permitindo que o País coma o pudim, ao mesmo tempo que o conserva. Enquanto durar o atual ciclo de valorização das commodities, parece ser inglória e vã a luta do Banco Central contra a valorização da taxa de câmbio.