Título: O plano B da Europa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2007, Notas e Informações, p. A3

A União Européia acaba de incluir em sua agenda a negociação de acordos de livre-comércio com a Índia, a Coréia do Sul, a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) e os andinos. Todas essas iniciativas foram autorizadas pelo conselho político do bloco. A iniciativa tem dois objetivos. É uma resposta ao Executivo dos Estados Unidos, que acaba de anunciar um acordo com o governo sul-coreano, e a intenção de buscar novas parcerias na área do Pacífico. É também uma preparação para um possível fracasso da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Se isso ocorrer, haverá uma corrida aos pactos bilaterais e regionais de comércio e nenhuma grande potência quer ficar para trás nesse jogo. As duas iniciativas, a americana e a européia, podem custar caro ao Brasil. Seu governo gastou os últimos quatro anos buscando alianças que só eram estratégicas na cabeça de alguns neoterceiro-mundistas.

Dirigentes políticos da União Européia têm dito que a aproximação com a América Latina é uma de suas prioridades. O interesse em ampliar os compromissos comerciais com os andinos pode ser uma prova disso. Com o Chile e com o México o bloco já tem acordos de livre-comércio. Mas não se percebe o mesmo empenho, agora, em relação ao Mercosul.

Os dois blocos iniciaram conversações há cerca de dez anos e jamais conseguiram ir muito além dos primeiros e vagos propósitos. As negociações estão empacadas há mais de um ano e nenhum dos lados tem feito um esforço sério para reativá-las.

O impasse decorre, em grande parte, de problemas internos do Mercosul. Brasil e Argentina têm sido incapazes de formular uma pauta comum de negociação. Para isso, precisariam definir o que podem oferecer aos europeus. Como não chegam a um consenso, não podem negociar seriamente com nenhum parceiro. O principal negociador europeu, Peter Mandelson, disse mais de uma vez que só valerá a pena retomar a conversa quando os governos do Mercosul decidirem o que podem propor.

Neste momento, os mercados mais atraentes para os europeus são mesmo os da Ásia. São economias de enorme dinamismo, continuam crescendo velozmente e oferecem grandes possibilidades de negócios. Com a abertura proporcionada por acordos de livre-comércio, as exportações européias para os 10 países membros da Asean poderiam crescer 24,2%, segundo estimativas de técnicos do bloco. As vendas para a Índia poderiam aumentar 56,8% e o total exportado para a Coréia poderia expandir-se 47,8%. O acordo, naturalmente, seria lucrativo também para os países da Ásia, que já têm grande presença nos mercados europeus graças ao seu dinamismo comercial e aos seus custos altamente competitivos.

Os europeus planejam incluir nos acordos cláusulas sobre investimentos e sobre defesa da propriedade intelectual. Os americanos têm seguido esse padrão nas negociações bilaterais dos últimos anos. Não deve haver muita resistência da parte dos asiáticos.

O Brasil já tem dificuldade para concorrer com esses países na maior parte dos mercados de bens industriais. A competição ficará imensamente mais difícil se as economias da Ásia conseguirem, por meio de acordos, acesso preferencial aos mercados da Europa e dos Estados Unidos. O recém-anunciado entendimento entre americanos e coreanos, no mês passado, foi um péssimo augúrio para o Brasil.

Os europeus também estão preparados para a aproximação com os andinos. Já está programada para maio uma reunião em La Paz, com participação de representantes da União Européia, da Bolívia, da Colômbia, do Peru e do Equador. Se tiverem um mínimo de juízo, os governos desses países correrão para o acordo.

Oficialmente, europeus e americanos continuam comprometidos com a conclusão da Rodada Doha e todas as negociações bilaterais são qualificadas como complementares. Todos dizem a verdade, provavelmente, quando apontam as negociações globais como prioritárias. A rodada global é de fato a melhor solução para a maioria dos países. Mas a maior parte dos principais participantes do jogo tem alternativas preparadas para o caso de um impasse nos próximos dois anos ou mais. A exceção é o Brasil, que não fez nenhum acordo importante nos últimos quatro anos nem se preparou para o caso de um fracasso na grande rodada.