Título: Proteção constrangida
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2007, Notas e Informações, p. A3
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, cercou de ressalvas o anúncio da decisão da Câmara de Comércio Exterior (Camex) de elevar de 20% para 35%, na média, a alíquota do Imposto de Importação sobre calçados e confecções. Essa é a alíquota máxima que o Brasil pode aplicar a produtos industriais. Essa não é uma medida protecionista nem vai resolver o problema dos setores agora beneficiados - a providência é circunstancial e excepcional, podendo ser revista se as condições de concorrência mudarem, fez questão de dizer o ministro.
Compreende-se o constrangimento do governo ao anunciar a decisão. Como confirmação do compromisso de fazer avançar a Rodada Doha de negociações patrocinada pela Organização Mundial do Comércio, que se encontra em ponto morto, o Brasil está prestes a apresentar uma proposta de redução de tarifas de importação sobre produtos industrializados e serviços. O Brasil, disse Mantega, é contrário à concessão de proteção comercial e deseja um ambiente de livre concorrência e sem barreiras tarifárias. O aumento das tarifas para calçados e confecções, porém, significa exatamente o oposto disso.
No entanto, há números que justificam a decisão da Camex. As importações de confecções passaram de 45.645 toneladas em 2004 para 60.063 toneladas em 2006, um aumento de 31,6%. Em valores, a variação foi maior, de US$ 172,2 milhões para US$ 396,7 milhões, ou 130,4%, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento. No caso dos calçados, o aumento foi de 6.319 toneladas para 10.929 toneladas (73%) e, em valor, de US$ 65,3 milhões para US$ 140,7 milhões (115%). Nos dois casos, é um crescimento bem mais rápido do que o das importações totais do País.
Sem citar a China, o ministro falou em práticas desleais de comércio, como subfaturamento, manipulação de câmbio, concessão de subsídios disfarçados, para justificar a decisão da Camex. Em condições normais, o remédio utilizado contra essas práticas são as medidas antidumping, mas estas demoram um certo tempo para ser aplicadas. No caso de calçados e confecções, na avaliação do governo, havia indústrias que corriam o risco de ¿perecer¿, razão pela qual era necessário adotar providências imediatas.
A elevação das tarifas de importação ainda depende da concordância dos parceiros do Brasil no Mercosul para entrar em vigor. E isso só será possível na reunião de cúpula de junho, em Assunção.
Os setores calçadista e têxtil (neste, o governo voltou sua atenção para o segmento de confecções) estão entre os que mais foram afetados pela persistente valorização do real em relação ao dólar, que barateia as importações e reduz a competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo. Mas o câmbio é apenas um dos problemas enfrentados pelos produtores. Há outros, de caráter estrutural, que reduzem a competitividade da economia brasileira - e não somente desses setores mais prejudicados pela desvalorização do dólar -, como a carga tributária excessiva, os custos trabalhistas muito altos, a infra-estrutura insuficiente e em más condições.
A alta da alíquota decidida pela Camex alivia o problema daqueles segmentos industriais, dando-lhes uma sobrevida, e pode evitar o imediato fechamento de postos de trabalho. Mas, se não for seguida de contrapartidas - como o aumento da competitividade dos setores protegidos, por meio de investimentos das empresas em modernização, treinamento de mão-de-obra, novas tecnologias e novos produtos - e da melhora, pelo governo, das condições de produção no País, não será mais que um paliativo.
Com a crescente abertura comercial, na qual o Brasil está empenhado, as empresas precisam adquirir músculos para competir não apenas no mercado interno, mas sobretudo no mundial. A proteção tarifária em nada contribui para o ganho de eficiência. Ao contrário, ela induz as empresas protegidas à acomodação, que pode ter conseqüências dramáticas para o País diante do rápido avanço da produtividade e da competitividade no resto do mundo.